A última canção de amor

Obs.: para se ler ao som de Noites com sol, de Flávio Venturini.

As canções de amor são todas iguais. São repetitivas. Sou como as canções de amor. Repito-me. Falo as mesmas coisas há anos para a mesma pessoa.

Às vezes, pergunto-me se ela entende o que falo. Às vezes, pergunto-me se vale a pena falar o que falo. Com tantas dúvidas gerando perguntas, de vez em quando fico mudo. Deixo o silêncio e a distância falarem alguma coisa.

Acho que fiquei pra trás como um vinil. Só acredito no que fala o coração. E as estações passam. Pesa em meu peito um cansaço de tudo. E o mundo passa como um filme sem graça nas telas do mau humor.

Já que vivo uma época em que as relações são tão rápidas como uma balada romântica, devo me adaptar ou acreditar que as coisas podem ser duradouras? Devo aceitar que as conquistas se tornem torturas, e o amor acabe de uma maneira que nem me dou conta?

Estou tão confuso que vou mergulhar na piscina de sonhos naufragados. Vou salvar o barco encalhado no mar do adeus. Vou salvar alguém de mim. Inventar um fim que nos livre dos dilemas do amor.

Vou pular do alto de um arranha-céus para arranhar a sua atenção. Vou flutuar no ar de sua indiferença. Vou aprender a dizer não.

Porque hoje quero nascer dos cadernos onde anoto frases que me solucionam. Preciso emendar as páginas rasgadas do meu orgulho. Transformar entulho em canções.

Não quero ser uma anotação na agenda do ano passado. Não quero ser viciado em calendários de dias que já não existem mais.

Luz-neon sobre o batom desbotado já não alucina minha ânsia de poeta querendo ver beleza em atos. Tudo está escuro, e a escuridão criou um muro entre mim e você.

Estamos desligados. Um computador que nada programa. Um coração que não ama. Amálgama dissolvido na distância do espírito. Tudo que compõe a essência do delírio.

Agora o seu olhar me vigia. O meu perde de vista o seu corpo, transpirando poesia. O que sou se distancia. O que posso ser não passa de fantasia. E a noite cai junto comigo. Não tenho mesmo nada pra lhe falar. Mas ainda queria uma surpresa agradável. Queria sentir as suas mãos cobrindo os meus olhos e ouvir você perguntando: adivinha quem é? Acho que ficaria perplexo e lhe daria um forte abraço, procurando saber se o seu corpo ainda me é familiar.

Tenho saudades do tempo em que a encontrava na biblioteca da faculdade, toda arrumadinha, com saias sensuais e blusas coladas ao corpo. Quando eu chegava, você fechava o livro e me abria um sorriso, querendo ler os meus olhos brilhantes. Não havia dúvidas: eu era seu, você era minha.

Por ironia, também sinto muita saudade daqueles tempos em que dormíamos brigados, mas, sem querer, no meio do sono, acabávamos nos abraçando. E um beijo acontecia, traindo nossa briga.

É, minha amada, vivemos nossa comédia romântica. Amamos luas no céu de nossos desejos. Mas você se foi de mim como a Lua se vai do Sol.

Pode ser que ainda exista uma última canção de amor na agulha do seu coração. Por isso, não mude o disco. Deixe tocar. Quem sabe nos lembraremos de nós?

Engraçado pensar que um dia sonhamos ser namorados para sempre. Perguntávamos: quem tem um amor? Sabendo que ele estava do nosso lado. Procurávamos por ele, mas ele permanecia em nós. E agora as flores do silêncio exalaram um perfume tão banal. E as do abandono nos cravaram os seus espinhos de forma tão cruel.

Você continua por aí. Eu, por aqui, na beira de um sonho, de planos, que se diluíram em adeuses constantes.

Agora sei que as flores morrem porque alguém esqueceu de regá-las. Pessoas morrem porque alguém esqueceu de amá-las. Mas não deixarei morrer em mim o princípio da primavera. Deixarei que tudo se vá depois dessa lágrima que não me fere, mas me cura e protege. E proteção é o que queremos em um mundo onde as canções de amor não mais encantam os ouvidos.

Raul Franco
Enviado por Raul Franco em 14/06/2015
Código do texto: T5277139
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