A obscenidade da morte

Por André Alves Castro

Era comum nas sociedades tradicionais que o moribundo passasse com a família as últimas horas antes de morrer, e que este ficasse por lá, em casa mesmo, tendo o corpo exposto durante o velório para que a família recebesse as pessoas próximas antes do enterro. A morte, tal como era, o era explícita, sem cortes; crianças e adultos viam-se diante dela como que contemplando seu próprio destino acenando do futuro.

Hoje, com a fragmentação dos antigos laços familiares em núcleos cada vez menores e indiferentes quanto ao modelo anteriormente aceito como família, a morte fica sem platéia e, como assunto, se torna uma tremenda “obscenidade”, uma coisa descabidade que merece olhar de repreensão ou pior, de inssensibilidade dpor parte da atual geração. Muitas crianças nunca viram um morto da família e a elas é cessado o direito de participar até mesmo de um velório, que por sinal, não é mais em casa. Dizem chocar, traumatizar. Gente que chega aos quinze, dezesseis e até vinte anos de idade e nunca foi a um enterro.

Falar e refletir sobre a morte são de fato os tabus de hoje e não mais o sexo, substituindo o entendimento de um fim comum a todos – e uma necessidade de reflexão quanto a isso – por uma obrigatoriedade de “velar” o sexo explícito no funeral da TV no sofá com a família, ao invés de realidades como uma doença terminal num ente querido ou mesmo a morte.

A morte pode até constar nas histórias de heróis, no cinema e nos grandes dramas das novelas, mas não mais encontramos sua existência no campo da reflexão filosófica popular, na TV; e nos jornais ela está lá apenas como sendo manchas de sangue para alimentar o desejo da violência social aceitável. Como diz o sociólogo Geoffrey Gorer no seu estudo sobre esta temática, está é a “A pornografia da morte”, onde a aponta como o novo tabu da sociedade pós moderna, substituindo o sexo como principal dilema e discussão.

E os desdobramentos de tal mudança são, até o momento, muito mais significativos do que a simples menção do assunto.

A mudança de percepção em relação quanto a morte é tão grande que acelerou em muito o processo de hedonismo ou mesmo afastamento da realidade da morte e de suas implicações na sociedade de hoje, que hoje chega a oferecer serviços de maquiagem em funerárias para os defuntos, além de vídeos para serem expostos no velório com imagens da pessoa mais jovem e feliz. É como uma “ocultação do cadáver” visando o bem estar de todos e servindo para que ninguém pense muito na morte como ela realmente é: o nosso fim.

Até na igreja, lugar célebre por falar do assunto com abertura, os reflexos são sentidos de uma modo estarrecedor, como por exemplo pela teologia da prosperidade e pela ausência de pregações sobre o inferno ou juízo final. É politicamente incorreto.

Por fim, quanto a morte, ela continua a nos alcançar, quer pensemos nela ou não, como um trem bem lento, parando em cada estação pontualmente, recolhendo seus passageiros para um viagem sem volta. De fato, espero pessoalmente da morte muito mais profundidade do que esperaram dela Sartre ou Epicuro. Prefiro me preparar para ela com as palavras de Sócrates:

“é chegada a horário de partimos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor rumo, se eu, se vós, é segredo para todos, menos para divindade.” Platão – Defesa de Platão

Cotidianidade
Enviado por Cotidianidade em 22/06/2015
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