Indecifrável galáxia

A verdade é que ninguém gosta de ser pequeno. Crianças não gostam de saber que são crianças. Amores não gostam de ser considerados romances. Todavia, somos desprezíveis. E nada é mais desesperador. Minha angústia que se dilacera no peito. Minha simples dor de cabeça. Minha dor. O quase partir, o ficar. Somos meramente inúteis. Desenhos de um mundo menor que outros. Uma bola flutuante, um cisco que voa por aí. Talvez não tenhamos casa, nem tempo em qualquer lugar. E esse meu anseio... essa grandiosidade de meus próprios problemas.

A vida... sensações, inacabado. Eterno. Seja onde for. Intenso. Interno. Nada, somente. Me voltam na consciência os abraços. Tão de repente nos tornamos gigantes, sentimo -nos temíveis. E sem nenhum tamanho, somos ainda capazes de sentir felicidade. Me refletem imagens de alguém maior, mestres que desejamos seguir. Mundo contemporâneo. Tudo agora. E o tempo talvez nem exista pra mim...

O vento forte na colina que quase me derrubava, as tantas belezas do medo, do quase não sobreviver, o extremo de cada situação. A gratidão por mais uma chance. As tantas chances. As tantas lágrimas. O pesado choro, as turbulências em meu coração. Ah, nada eram! Nada vivo, sou humildemente um grão de poeira que se esconde por detrás dessa enorme porta que me impede a visão. Nada são as conquistas. Tudo é simples empréstimo e vale lembrar a possibilidade de ter de retribuir. Quem sabe de onde viemos, para onde vamos ou quem somos? A perdição de tantas almas incapazes que buscam suas respostas. A impotência que possuem em encontrá -las simplesmente porque insistem em se compreenderem como necessitadas. Todavia, a necessidade não existe para nós. Somos decoração de uma arquitetura maior. Toda necessidade lá fora no desconhecido, longe de casa , supera a nossa. E se num segundo tudo acabasse? Terá então tudo existido para alguém, ou nossa história passará despercebida?

É que numa dessas noites, em especial, voltou -me a ignorância de me afundar em meu próprio eu. E eu não conseguia ficar aqui em casa. Aqui, dentro de mim. Era insuportável minha própria companhia, meu conhecimento acerca de minh' alma. Deu vontade de me desligar das paredes da minha biblioteca, vida fútil e longe de todo o resto.

Libertei - me das paredes. Libertei - me de casa. Mas não libertei -me de mim. Lá fora, durante a noite, os holofotes me preparavam o palco. Diversas estrelas, uns poucos planetas e a luz do luar, tão escandaloso em tamanho que gritava perto dos astros. Ah, como nada se move, como tudo se difere de nós, essa nossa atividade... como tudo é mais bonito! Quisera provar do que existe depois. Ver quem são eles, gritar por qualquer sinal, sofrer angustiosamente por uma ilusória resposta. Passaria meus anos ali. Mas as horas já me foram suficientes. Levaram -me ao estado de transe o qual comparo um filósofo que toma a pose de bobo e fica a tudo querer entender. Volta à sua antiga caverna pronto para ser apedrejado e o é. Egoistamente, eu sequer por um segundo quis retornar à caverna de meu lar e salvar o restante. Quisera partir sozinho para conhecer além do mundo, na infeliz audácia de pensar ser algo...

Já me convencia em voar, ser buscado por qualquer um que me tirasse desse mundo medíocre. No entanto, observei o tamanho. Recuei feito criança. Quis subitamente estar em casa, num sono profundo. Mas casa não havia. Não estamos em casa. Tudo é mera passagem. E o que é, portanto minha segurança? O que é meu grito? O que é vitória? Jamais saberei o que é ganhar.

E quando ousei fechar os olhos, percebi que alguém me sondava. Sim, lá... bem lá longe ou quem sabe ali perto? Lembrei -me nesse instante de como era me sentir em casa num dia de outrora. Lembrei - me de dormir e acordar dia após outro, do ciclo normal de nossas vidas. Mães e certeza. Incontestavelmente, as mães. Ah! Volto à idéia de que somos grandes... grandes demais para nós mesmos. Entretanto, desprezíveis.

Porém, no silêncio de minha casa fechada, em sintonia com esse universo, havia o teto da sala de estar. Sem estrelas, sem escudos. Não mais belo. Não onde desejava realmente estar. Me vi grande ali dentro. Todos gostam de se sentir grandes. E vi que nesse mundo concreto, eu tudo posso comandar. E mesmo grande em minha própria sala, em meu próprio mundo, me senti inutilmente pequeno. Ainda que o maior de todos os homens, mais sábio ou mais belo, nada disso seria critério em nenhum lugar no qual viajasse lá longe.

Nada é justificável. Nada tem dimensão. Trabalho vão esse de subir na vida. Subir altos cargos. Pisar. Que vida? Que cargos? Somos grãos que se vitimam e se julgam como sofredores. Lá longe o sofrimento deve ser bem maior. Melhor me contentar. Melhor me esquivar do medo e do egoísmo. Melhor notar que nada sou, assim tudo hei de tentar ser em minha humildade de humano. Apenas a luz é o que brilha lá fora e faz efeito. Melhor desenvolver minha própria luz. Melhor ficar aqui, dentro de casa e trabalhar dentro de mim.

Beatriz Beraldo
Enviado por Beatriz Beraldo em 22/06/2015
Reeditado em 20/09/2015
Código do texto: T5286181
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