Até os morcegos gostam de Franz Heep

Assim que entrei no apartamento vazio, senti que gostaria de morar nele. O prédio era bonito e bem cuidado, os funcionários do condomínio atenciosos, os elevadores em perfeito estado de conservação e finalmente, o valor do aluguel era o mesmo de outros apartamentos menores em edifícios com pior localização e com poucos ou nenhum atrativo. Foi muita sorte minha namorada o ter encontrado justamente no dia em que ficou disponível para locação.

Logo de cara, as janelas me conquistaram. Do chão até o teto, com três metros de largura, na sala e no quarto, cada qual com uma floreira de alvenaria coberta com pastilhas brancas, e embora estivessem totalmente secas e abandonadas, ainda resistiam algumas babosas vivas. As condições das janelas não condiziam com seu design magnífico, isto me deixou com a mesma sensação de um restaurador em frente a uma obra prima deteriorada, de um médico diante de um ferido.

Alugamos o apartamento, comecei a recuperar a janela, plantei alecrim, manjericão, tomate, boldo, calêndulas, camomilas e outras. A altura do apartamento é a mesma das copas das árvores mais altas em frente, e percebi logo que muitas aves frequentam aquelas folhagens bem na frente das nossas janelas, imaginei que se oferecesse frutas e água como atrativo poderiam surgir algumas visitas.

Diariamente colocamos pedaços de mamão e banana, atraindo sanhaçus, sabiás, cambacicas, periquitos e até morcegos. Outros apartamentos fazem o mesmo, então as aves e o tal mamífero alado tem um buffet completo. Toda essa vida selvagem frequenta as floreiras que mantemos bem no meio de uma metrópole onde a vida não é fácil para ninguém. Convivemos bem, e enquanto as alimentamos essas criaturas nos transmitem uma alegria instantânea, a tranquilidade da lembrança de que a cidade é apenas uma extravagância humana em meio a uma natureza exuberante e maior, que nos rodeia.

Agradeci várias vezes em minha mente ao arquiteto que projetou tão belo edifício, onde posso aproveitar cada detalhe por ele imaginado, aprecio o desenho das janelas que praticamente põe a cidade dentro da minha casa. Ganho privacidade com o simples fechar de uma cortina, se ela está aberta, sinto estar na praça, ou num parque, por causa das aves e das árvores. Na noite passada não resisti e fiz uma tradicional pesquisa no google.

Qual foi a minha surpresa ao digitar o nome do meu condomínio e descobrir que o edifício em que resido é tombado pelo patrimônio histórico, foi projetado na década de 40 por Adolf Franz Heep, arquiteto nascido na Alemanha, que trabalhou em Paris com Le Corbusier e, fugindo da guerra, imigrou para o Brasil, onde trabalhou por muitos anos, tendo construído diversos edifícios renomados, entre eles o Edifício Itália. Foi tema de diversas teses, e ainda influencia novos profissionais.

Suas obras continuam, mesmo depois de sua morte, a servir de moradia, proporcionando o conforto e segurança a que se prestam, sem nos privar do convívio com a cidade. Me sinto privilegiado por morar num apartamento projetado com tanto zelo, onde são valorizados muitos aspectos importantes, iluminação, ventilação, estética, e de brinde, este espaço para plantas que possibilita a interação com alguns dos mais belos animais selvagens metropolitanos.

Ricardo Selva
Enviado por Ricardo Selva em 29/06/2015
Reeditado em 29/06/2015
Código do texto: T5293982
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