Viajando por Mato Grosso

Há muito tempo pretendia escrever algo sobre algumas observações verificadas em minhas andanças pelo interior do país. Agora chegou a vez. Falarei então de remédios, que não se enquadrariam na classificação conhecida e utilizados em povoados distantes, onde não existem farmácias e hospitais. Poderia até mesmo denominá-los de remédios caseiros, mas a ética impede-me de fazê-lo, por isso, prefiro tratá-los de remédios de beira de estrada. Quem viaja pelos sertões certamente tem noção do que estou falando, principalmente das dificuldades encontradas para se conseguir qualquer informação ou coisa que o valha. Esses remédios, aos quais me refiro, além de eficazes, não custam quase nada em relação aos convencionais. Esclareço de que sou totalmente contrário a auto-medicação e, por isso, em contrapartida, sou favorável a que todo remédio tenha a respectiva indicação médica. Somente em casos excepcionais, como os citados aquí, não ofereceriam quaisquer riscos, tendo em vista que foram testados e verificados “in loco” e que, certamente, já constam do receituário do sertão, além do que, pela eficacia demonstrada na cura de alguns males, posso afirmar com toda a certeza do mundo, que testemunho e dou fé, justamente por tratar-se de verdade , verdadeira.

Certa ocasião, num desses lugares, ví uma senhora recomendar para uma mocinha, que padecia de dores provocadas por cólicas pré-menstruais, que tomasse um remédio preparado assim: colocar água numa chávena, como medida. Logo após, colocar essa mesma água, juntamente com 5 lascas de canela, numa outra vasilha mais apropriada, levando-a ao fogo para ferver. Em seguida, retirá-la do fogo e, após abafar um pouco, adicionar 3 gotas de alcool (comum) e dar para a pessoa beber. Dentro de 5 minutos a jovem estava livre das dores.

Outro caso que merece destaque, cujo desenrolar poderá ser útil a alguém, aconteceu justamente comigo e ocorreu da seguinte maneira: estava eu e um colega fiscal, Senhor Pedro Salves Arraes trafegando em um Fusca, novinho em fôlha, pela BR- 70 com destino à capital do Estado de Mato Grosso, Cuiabá. Naquela época, 1.984, a BR-70 ainda não era asfaltada e quase não havia moradores em todo o seu percurso. De repente sentí uma forte dor atravessada no tórax (peito) que passou a me incomodar bastante, tirando-me toda a destreza para continuar dirigindo meu automóvel. Como o colega ao lado não dirigia e temendo que a dor aumentasse de intensidade, me vi obrigado a pisar fundo no acelerador, objetivando encontrar, o mais urgente possível, algum povoado onde pudesse pedir algum tipo de socorro, considerando que a dor cada momento ficava mais profunda, acreditando, por isso, que meu dia havia chegado e que irremediavelmente iria a óbito. Continuei meu trajeto, sempre em alta velocidade, e após rodar cerca de 150 quilômetros, para minha satisfação, avistei um povoado, onde hoje se localiza a próspera cidade de Primavera do Leste. Ao me aproximar, notei que havia um restaurante, onde estavam estacionados alguns caminhões carregados. Parei meu automóvel e me dirigi ao bar daquele restaurante, onde estavam várias pessoas conversando. Perguntei ao atendente se tinha algum remédio (comprimido) contra dor. Antes mesmo dele me responder, uma outra pessoa, um caminhoneiro, que estava ao lado, entrometeu-se na conversa e me perguntou onde era o local da dor? Mostrei-lhe onde era a dor, diante do que, esse caminhoneiro que se apresentara como sendo um gaúcho, de nome Hildegard, chamando a atenção para si, dirigiu a palavra à todos os presentes, dizendo, "tenho vinte anos de estrada e sou o único nessas paragens que sabe o remédio capaz de curar esse rapaz". Tentando impressionar aquelas pessoas, meteu a mão no bolso, tirou o documento de propriedade seu veículo, uma carreta Skania e o documento de identidade, afirmando que se o remédio dele não me curasse, daria seu caminhão para qualquer uma das pessoas ali presentes. A mim, não restava outra alternativa, a não ser acreditar nas palavras que aquele homem simples dissera com tanta convicção. Era esperar para ver. Em seguida, o caminhoneiro solicitou ao atendente que enchesse um copo de pinga branca, de preferência a 51 e solicitou ainda que trouxesse 9 dentes de alho. Socou bastante o alho e o jogou dentro do copo com a pinga. Olhou para mim e disse, é só esperar uns minutos para a pinga entremear no alho que o remédio estará pronto. Passados alguns minutos, uns 10, talvez, me dirigiu novamente a voz, autorizando-me a tomar aquele goró, engolindo tudo, menos o copo, afirmara em tom brincalhão.

Dito e feito, foi só o remédio bater no estômago, a dor que me atormentava, foi para o espaço, como num passe de mágica. Curado, e já com outro ânimo, perguntei àquele cidadão, como eu o pagaria pelo remédio que salvara a minha vida? Ele respondeu assim: mas báh tchê! Não me deves nada! Que Deus ilumine tua estrada e a minha, para que eu possa continuar transportando o progresso por esse rincão brasileiro, fazendo novos amigos, sem também correr o risco de perder meu “possante” numa eventual aposta.

Amarú Inti Levoselo
Enviado por Amarú Inti Levoselo em 16/06/2007
Reeditado em 19/06/2007
Código do texto: T529586
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