Às lágrimas derramadas no Vale do Bekaa

Eliza Fernandes

Compreendo porque simulaste lágrimas de vidro menininha libanesa...

Naquele dia, menininha do Bekaa, o Líbano também chorou contigo, em cada semente dos seus ciprestes e, com ele, chorou o mundo.

Tuas lágrimas vítreas, que muitos não entenderam, foram da mais completa verossimilitude, foram a expressão violentamente arrancada de uma realidade humana de obsessão, dor e solidão. Uma natureza surda aos gritos de desespero e sofrimento, não só das mulheres e crianças libanesas, mas de todas as mulheres e crianças do mundo inteiro.

Às mulheres e crianças das favelas, das ruas e da prostituição: a alegria ausente, a liberdade morta, o grito de desespero, a porta fechada.

A submissão não aceita, o sofrimento e a exclusão estavam presentes no teu pranto. A tua adolescência sem perspectivas foi que te deu forças para gritar ao mundo e, então precisaste fazê-lo de uma forma diferente, ou então passarias despercebida.

Muitos olhares apareceram (não para te ajudar), mefistotélicos, curiosos, irônicos... Mas também, naquele dia, menininha, as almas humanas, benfazejas, solidárias se fizeram acontecer num silêncio sepulcral.

Nunca o homem se fez sentir tão pequeno, nunca foi tão nítida a sua miséria existencial. Esmagadora, excludente... Deixou-se perceber através de olhos inocentes...

Tuas lágrimas que clamavam por um espaço de liberdade, compreensão e amor, estão aqui bem próximas, em três milhões de meninos e meninas brasileiras que sentem fome e precisam trabalhar escondendo suas lágrimas para sobreviver.

Naquele dia, menininha do Líbano, eles choraram contigo as lágrimas que derramam diariamente (ocultas) nos semáforos, nas esquinas, na prostituição. Mas essas lágrimas, já muitas vezes choradas em silêncio, foram diferentes, porque se juntaram às tuas, vítreas, estilhaçadas e, então “foram vistas”, comentadas, suscitaram a mídia, as páginas dos jornais, as promessas...

Mas, lamentavelmente, como já era de se esperar, desapareceram, cobriram-se de brumas, esconderam-se lentamente, discretamente, dando lugar a novos eventos... Eventos de pequenez, de incompletude, exprimindo as terríveis e assanhadas paixões humanas...

É sempre assim que as coisas mais significativas acabam: esquecidas, envoltas em brumas e promessas.

Nesse dia, menininha do Vale do Bekaa, choraste não só pelo teu país destruído, mas pela humanidade inteira.

Eliza Fernandes
Enviado por Eliza Fernandes em 16/06/2007
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