Etiologia de alguns personagens

Eliza Fernandes

Escrevo contos nos momentos em que a mente extravasa, criando personagens, prendendo-os, manipulando-os, senhora absoluta de seus destinos e depois os alforriando. Gosto de brincar com eles, são personagens de papel. É como se dentro de mim houvesse um duendezinho a criar histórias para acordar o leitor, provocando-o, com narrativas conflitantes, com desfechos inesperados, com idéias implícitas, para o leitor-observador crítico desvendar.

Um dia, alguém me disse que as mulheres que surgem nos meus contos são mulheres muito fortes, apaixonadas e que carregam uma posição meio feminista. Será? – pensei -. Surpreendi-me e coloquei a culpa neste duendezinho maluco que fica a me colocar idéias na cabeça. Afinal, nada tenho contra o sexo oposto nem contra as feministas. Acho que os homens são seres geniais e como já disse em uma crônica “somos a completude do cindido”. Será que é porque tenho uma convicção inabalável de que a mulher não foi feita da costela do homem, mas que Deus retirou exatamente a “metade” do homem para criá-la, como afirmei em “Às rosas de O’ Keffe”? Feliz da mulher que tiver a sua metade e vice-versa!

Tenho apenas dois filhos: homens! Maravilhosos, homens de formação humana, com enorme nobreza de caráter, filhos exemplares, amigos e amantes.

Não gostaria que uma Antera maluca desse arsênico ao seu amado, e nem que Berenice que era tão amada pelo marido, se apaixonasse pelo homem do sobrado, levando-o a uma morte horrível.... Mas eles fazem isso, criam vida, entram na minha sala e nos meus contos, bagunçam, me desobedecem. Às vezes, são mulheres com a força, a determinação e a paixão das mulheres latino-americanas, outras vezes, são personagens insanas, que desafogam suas mágoas no álcool. Mas tenho preferência pelas que são a figura da mulher de Magdala, forte, magnífica, determinada a ponto de acompanhar Jesus de Nazareno, em suas peregrinações pelo deserto.

As mulheres de meus contos são as mulheres urbanas e rurais que se atropelam nas ruas, nas instituições, nos lares. Algumas caladas, outras, personagens de retórica, outras inocentes e exploradas como Iracema de “A casa das janelas de grades verdes.”

De onde saem os meus personagens? Não sei, talvez de outras vidas, ou gerados neste espaço, entre os meus papéis, saltando dos nichos da estante, detrás dos livros ou surgindo dos botões de flores... Ainda não descobri de onde vêm estas estranhas criaturas que habitam minhas histórias.

Eliza Fernandes
Enviado por Eliza Fernandes em 16/06/2007
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