= Crônica da Solidão =

Eu estava lá. O que me levou até lá não sei. Meio sem jeito. Totalmente deslocado. Estranho. Sentindo-me invisível, em meio aos demais. Demais. Poucos conheço.

E os conhecidos nem os reconheço mais. Tanto tempo avesso aos compromissos sociais... São João ou Santo Antônio? Que dia é hoje? Que importa? Quem se importa? Que diferença faz? Olho as bandeirolas, coloridas, embaladas pelo vento.

Mas elas não me trazem alegria. Tem tudo, música, gente conversando, rindo, crianças que passam correndo... Tem tudo que uma festa tem. Mas eu não sinto.

Não estou lá. Não me sinto lá. Nem em outro lugar. Enquanto penso tudo isso, esfria

em minha mão a xícara de quentão que comprei logo ao chegar. Sinto frio. Não levei blusa. Só então me dou conta de que já é inverno. Mas até dia desses, não era verão?

E nem festa junina é mais. É julina. Compro outro quentão. E pipocas. Tomo um gole...

Muito forte. Cachaça e gengibre demais pro meu gosto. Descarto. Como algumas pipocas pra tirar o gosto ruim da boca. Vinho quente, senhor? Até penso aceitar, mas agradeço e recuso. Lembro que detesto vinho quente.Nem sei como também, me vejo entrando no carro e indo embora. Eu partindo. E gente ainda chegando. Sorridentes. Alegres. Algumas talvez felizes. Tomo o rumo de casa. Lá entre minhas quatro paredes, com certeza me sentirei melhor. Dirijo devagar. Piso de leve no acelerador. Meus pés pesam demais. Vejo minha vida, ou o que sobrou dela, o resto que ainda resta, escoando pelo retrovisor. Miragem ou verdade não sei, no velocímetro um calendário. Desses de ir arrancando as folhinhas conforme os dias vão passando.

E o meu parece ter tão poucas... Algumas apenas. Chego em casa. Acendo as luzes. Escuridão me incomoda. Ligo a TV. Silêncio também me incomoda. Barulhos também.

Mas dos meus eu preciso. São vitais. Mesmo que eu nem os ouça. Só em sabê-los por perto, ao meu redor me tranquilizam, me trazem paz... Tomo um café. O último dos muitos do dia. Enrolo-me num cobertor e me ajeito no sofá. Na TV um filme pela metade, que já vi nao sei tantas vezes e sei o final. Poderiam fazer filmes com vários finais... É meu último pensamento. Vencido pelo sono e o cansaço da vida, driblo a insônia e adormeço...

Talvez inconscientemente pensando...

Que bom seria não acordar nunca mais.

= Roberto Coradini { bp } =

04//07//2015