MACHADO DE ASSIS DESMENTE O ENFORCAMENTO DE TIRADENTES

Patriarca da literatura brasileira, Machado de Assis diz em crônica publicada em A SEMANA (1° volume) que Tiradentes não foi enforcado:

“ Este Tiradentes, se não toma cuidado em si, acaba inimigo público. Pessoa, cujo nome ignoro, escreveu esta semana algumas linhas com o fim de retificar a opinião que vingou, durante um longo século, acerca do grande mártir da Inconfidência. “Parece (diz o artigo no fim) parece injustiça dar-se tanta importância a Tiradentes, porque morreu logo, e não prestar a menor consideração aos que morreram de moléstias e misérias na costa d’África.” E logo em seguida chega a esta conclusão: “Não será possível imaginar que, se não fosse a indiscrição de Tiradentes, que causou o seu suplício, e o dos outros, que o empregaram, teria realidade o projeto?”

Daqui a espião de polícia é um passo. Com outro passo chega-se à prova de que nem ele mesmo morreu; o vice-rei mandou enforcar um furriel muito parecido com o alferes, e Tiradentes viveu até 1818 de uma pensão que lhe dava D. João VI. Morreu de um antraz, na antiga rua dos Latoeiros, entre as do Ouvidor e do Rosário, em uma loja de barbeiro, dentista e sangrador, que ali abriu em 1810,a conselho do próprio D. João, ainda príncipe regente, o qual lhe disse (formais palavras):

- Xavier, já que não podes ser alfares, toma por ofício o que fazias antes por curioso; vou mandar dar-te umas casas da rua dos Latoeiros...

- Oh! Meu senhor!

- Mas não digas quem és. Muda de nome, Xavier; chama-te Barbosa. Compreendes, não? O meu fim é criar a lenda de que tu é que foste o mártir e o herói da Inconfidência, e diminuir assim a glória de João Alves Maciel.

- Príncipe sereníssimo, não há dúvidas que esse é que foi o chefe da detestável conjuração.

- Bem sei, Barbosa, mas é do meu real agrado passá-lo ao segundo plano, para fazer crer que, apesar dos serviços que prestou, das qualidades que tinha e das cartas de Jefferson, pouco valeu, e que tu é que vales tudo. É um plano maquiavélico, para desmoralizar a conjuração. Compreendes agora?

- Tudo, meu senhor.

- Assim é bem possível que, se algum dia, quiserem levantar um monumento à Inconfidência, vão buscar por símbolo o mártir, dando assim excessiva importância ao alferes indiscreto, que pôs tudo de pernas para o ar, e a pretexto de haver morrido logo. Não abanes a cabeça; tu não conheces os homens. Adeus; passa pela ucharia, que te dêem um caldo de vaca, e pede por Sua Real Majestade e por mim nas tuas orações. Consinto que também rezes pelo furreil. Como se chamava? Esquece-me sempre o nome.

- Marcolino

- Reza pelo Marcolino

- Ah! Senhor, os meus cruéis remorsos nunca terão fim!

- Barbosa, têm sempre fim os remorsos de um leal vassalo!

E assim ficará retificada a história, antes de 1904 ou 1905, Tiradentes será apeado do pedestal que lhe deu um sentimentalismo mofento, que se lembra de glorificar um homem só porque morreu logo, como se alguém não morresse sempre antes de outros, e, demais, enforcado, que é morte pronta. Quanto ao esquartejamento e exposição da cabeça, está provado empírica e cientificamente que cadáver não padece, e tanto faz cortar-lhe as pernas como dar-lhe umas calças. Mas ainda restará alguma cousa ao alferes; pode-se-lhe expedir a patente de capitão honorário. Se está no céu, e se os mártires formam lá em cima, pode comandar uma companhia. Antes isso que nada.”

samuel filho
Enviado por samuel filho em 06/07/2015
Reeditado em 09/07/2015
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