MEDO
Não sei quando o medo chegou, nem tanto se nasci com ele. Mas o que posso dizer no momento é que escrevo por, e em seu nome. O próprio medo é o autor deste suspiro desesperado, que de tanto me dominar, implora que eu o domine.
Sinto-me andando fora do corpo, num lugar onde não pertenço e nem pertencerei por completo. Longe de tudo aquilo que algum dia pude achar ter consciência. Chame do que quiser, interprete como puder, pois nomeio de Anestesia de Fuga, essa é a droga que me viciei por medo. Toda vez que o sinto se aproximar, sabendo da insuficiência de meu afaste, injeto uma dose letal dessa anestesia e consigo, por um momento, escapar de suas garras.
Contudo, prevejo o tempo em que o efeito não funcionará e encontrarei-me ao cerco de meu inimigo perseguidor. E por isso, num dos passeios entre os vales anestésicos, tomei coragem de iniciar uma auto investigação, mesmo estando ausente e desprovido de ferramentas que auxiliem com precisão, era necessário tentar antes que fosse tarde demais.
Estaria aqui mentindo se dissesse que o principiar é o movimento mais difícil. Porém, sem dúvida, não condiz aos mais fáceis. A primeira e mais esvoaçante pergunta que achei prudente esclarecer era, o porquê da repulsa ao medo. O que há em sua essência que causa a vontade de criar distância? Longas e cansativas foram as noites debruçadas sobre estas questões. Que em produto culminou na substituição destas por outras mais filtradas.
O que é medo? E porque não o desejo?
Foi então que percebi que estava ficando com medo de não saber o que ele é. E pude, através dele mesmo, descobrir que uma pergunta havia respondido a outra.
Medo é aquilo que penso, daquilo que não quero.
Pois, enquanto pensava sobre não querer não saber, tive medo, e concluindo o raciocínio inversamente, cheguei a resposta que não consegui duvidar. Entretanto, estranhei não ter medo de não conseguir duvidar, e por minha definição de medo, observei que a sua ausência ou presença é subordinada à vontade de querer. Pois se quisesse duvidar, certamente teria medo de não consegui-lo.
Por conseguinte, relato ser impossível deixar de querer, tal que se não quisesse querer, já estaria querendo algo, deixar de querer. E como querer é inevitável, e o medo é o que penso não querer, ele também é inevitável. Logo, posso resolver a perseguição dele a mim, justamente em provocando-me medo em não ter medo.
Porque se o medo é inevitável, ter medo em não ter medo é impossível. Portanto o único medo que teria é de algo que nunca acontecerá.
E deste medo, não fujo, nem ele me persegue, aprendemos a conviver com profundo respeito mútuo.