O suicídio

Certa noite de sexta-feira, no final do meu expediente de motorista, retornando para a garagem do centro por uma pista expressa depois de um dia inteiro pelas ruas da capital paulista, o tráfego estava carregado, fluindo, eu me aproximava de uma passarela suspensa e tive uma impressão assustadora.

Os vidros do carro não estavam embaçados, mas havia umidade condensada em gotículas pelo lado de dentro do para-brisa, que aliada à chuva do lado externo diminuía a visibilidade, e nestas condições é preciso ter bastante atenção nos outros veículos, mas num golpe de vista meus olhos se depararam com uma cena que me chamou a atenção.

Embora chovesse, havia pedestres passando sobre a passarela por onde eu passaria abaixo, tive a impressão de que uma pessoa estava sentada no corrimão, de costas para a via abaixo, de frente para o lado do qual eu vinha. Em um segundo me arrepiei, veio à minha mente a ideia de que aquela pessoa sentada ali, numa passarela alta, sob chuva, talvez estivesse pensando em se suicidar.

Embora outros pedestres passassem lá em cima, ninguém olhava para ele, e pensei tudo isso com base em uma breve olhada, de longe e com baixa visibilidade, e diminuindo a velocidade o suficiente para não provocar uma colisão, consegui dar outra olhada antes de passar sob a passarela, e tive a certeza de que era uma situação horrível.

Consegui ver a expressão no rosto do homem, era jovem, e chorava copiosamente, um choro desesperado, eu não podia ouvi-lo mas pensei que ele estivesse gritando, não entendi como as pessoas não paravam diante dele, aquelas que passavam lá em cima. Eu não podia parar ali naquelas circunstâncias sem provocar um acidente, e no susto, até abaixei-me dentro do carro para proteger-me caso ele fosse se jogar enquanto eu passava.

Olhei pelo retrovisor e vi que ele estava na mesma posição, na verdade confirmei minha primeira impressão, pois pela rapidez do acontecimento, ainda não tinha completa certeza até então. Era o começo de um viaduto, e não havia como parar ali, nem como descer e voltar andando para tentar alguma coisa, é uma pista expressa e o risco era grande demais, tudo que pensei foi no Corpo de Bombeiros. Peguei o telefone celular e liguei, passei as informações da ocorrência sem saber o nome da passarela, descrevi algumas referências do local, respondi as perguntas que me fizeram e desliguei.

Segui meio desconcertado, pensando em tudo aquilo. O que poderia estar se passando na cabeça daquele rapaz, alguém pararia e o faria desistir, o que teria acontecido depois?

Cheguei na garagem do centro, estacionei o automóvel e contei a um colega o ocorrido, pela descrição do local ele me confirmou o nome da passarela. Aproximadamente cinco minutos depois meu telefone tocou, um homem se apresentou como bombeiro e queria confirmar se era eu que tinha ligado antes, respondi que sim, ele perguntou sobre o local e eu lhe confirmei o endereço, ele disse com um tom de desânimo - Então ele se jogou! – Falou mais alguma coisa e desligou.

Fiquei arrasado, imaginando se podia ter feito algo que mudasse o rumo das coisas, mas não havia nada que eu pudesse ter feito, nada mais a fazer, apenas pensar, refletir, talvez por isto eu esteja escrevendo este texto.

Até hoje, anos depois, continuo sem entender como a vida pode ser tão desesperadora às vezes, como os problemas, por piores que sejam, podem nos conduzir a atitudes ainda mais terríveis no calor de um momento.

Se a vida se tornar insuportável, talvez seja melhor deixar o tempo passar, aí faz sentido protelar o inevitável. O tempo soluciona qualquer problema, ele faz coisas que a gente não consegue imaginar.

Ricardo Selva
Enviado por Ricardo Selva em 18/07/2015
Código do texto: T5314840
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