Aprendiz de Criança, sempre, mas com diferença madura...


O que aprendi com o tempo apesar de crescido ( e isso tem tudo a ver com minha infância, que teve outro aprendizado igual e inferior à atual evolução de meu ser ) é manter a criança dentro de mim, sempre e teve consequências várias. O amôr materno, a fome, o conhecimento do mundo e de si mesmo, o andar de gatinhas, o gosto das coisas e o medo de sozinho arriscar-se a ficar sem mãe; tudo era fácil e compreensível pra um recém-nascido muito desejado ou querido pelos pais. Mas a realidade suja, controversa e perturbadora dos adultos teria de ser a que me faria entender os fatos da vida. E desde pequeno passei por muita coisa excitante, temida ou até mesmo imbecilizante diante de todos. E por isso afirmo sempre que parte de mim se revela desde então algo estanque e diversificado.
Por isso, e por causa de certos traumas antigos agora sanados de modo adulto ou analisador, digo e reflito que perdi a inocência de modos diversos em muitas épocas em que a minha infância ( e juventude ) estava frágil, reprimida, vez sem conta em estado de incertezas. O mundo lá fora não me dizia respeito até os 10 anos de idade e isso reforçou o interminável ( quase sem fim, diria... ) fim das inocências múltiplas de minha índole infante e juvenil. E explicar isso é das mais difíceis situações em que me encontro até hoje!

E para ser sincero, penso realmente que as coisas se processaram
desse jeito: vivia muitas inocências em uma só realidade pessoal e o meu mundinho de então era "mãe-pai-irmão-primas-Tv-desenhos" e mil coisas que mal entendi até os 10, mais ou menos. O mundo adulto, aliás, me era transitório, confuso, cheio de blá-blá-blás e proibitivo em certas situações mundanas. Não me atinava em ser menino tão meigo, cansativo de visitas, chorão por qualquer coisa e pouco emotivo em minha "esquizofrenia solitária" de criança mimada e caçula. Desde então revelei pendências e tendências, até me confundiam com menina e outras ilegalidades, mas sempre fui adiante e sabia pouco mesmo o que fazer pra ser compreensível pra todos. Vai daí que direi que tive muitas inocências em várias etapas crescentes, mas não só uma porém diversas fases inocentes de pensar e ser.
A minha primeira inocência desmotivada e demolida por si só foi a descoberta da TV e as falas dos desenhos - mostrando-me o real da existência além-apartamento que me parecia sonho infantil ( assim penso agora ) era diferente dos sonhos, mimos da mãe ou brinquedos pelo chão! Aquilo me mostrou, naquela realidade moderna e de classe média que vivíamos, que existia gente diversa e palavras demais para compreender e assimilar-se. O mundo me deu seu baque imensamente chocante diante de uma tela de TV, apesar de sair mundo afora com os pais para ir ao cinema, parquinhos e visitas aos parentes. E isso durou tempo suficiente pra aprender como ser o que sempre permaneci: criança imatura ou agora, mais adulto e resistente, bastante Peter Pan, por assim dizer...
Quem me conhece sabe que sou irreverente, incerto, de múltiplas ansiedades, imaturo social-sexualmente e bastante crianção ou irrepreensível entre todos, sempre a sorrir e rir da desgraça que me transtorne ou que advém de outros males. Fiquei assim após décadas de comprometimento, aprendizado de vida e saber que tudo que nos conspira ao mundo será um dia ilusão esquecida - demonstrando que minha infância realmente não foi a "normal" como de costume pra todos. E tudo isto impulsionado pelas perdas contínuas de minhas inocências-estanques (!) a cada década que passava ( entre 63 a 79, mais ou menos, pois mesmo com 18 anos continuava insistentemente infantil, determinado e aprendiz das coisas reais )! Coisa de maluquete diriam, mas assim foi pra mim...
Uma dos impasses mais duros da minha vida, apesar de estar distante e não mais me afetar, foi a descoberta da sexualidade precoce que sempre me machucara: o de não ser amado por meninas e jamais ter tido uma namorada de verdade! Foi esta a terceira inocência perdida de vez, pois que a segunda foi menos traumática e mais prazerosa, com as minhas primas a me paparicar pelo meu pênis de nenem e assim me abrir os olhos para o prazer sexual ainda imaturo!

Na verdade parece-me que a inocência, sendo multiplicada por anos de pouca importância sobre as coisas e relaxamento dos sentidos, sentimentos íntimos, sexualidade inerte ainda, etcetera; decerto, foi algo sui-generis na vida. Isso deu origem aos meus arquétipos insistentes de perdas de inocência ( dez no total, assim creio ) a cada momento supremo de minha vida pessoal crescente.
Tirando as minhas primas tão alvissareiras e inoportunas, tive que lutar sempre contra esta natureza dúbia do ego pessoal, querendo o amôr permissivo delas ou desejar outra pessoa que me entendesse ou amasse os rigores de meus anseios. Hoje mudei muito este e outros pontos de vista realistas. De minha infância parece-me que sobrou a neurose de estar sozinho mesmo entre iguais. Disso resulta que sou agora mais amplo em meus apetites e desejos emocionais, ms mesmo assim estou sempre entre divisões - culpa de tanta perda de inocência desestimulante ou não. Admito que sou afeminado em certos aspectos de meu ser e que devia me comportar pra manter aparências, mas a infância me trouxe resquícios de mente feminina-masculina, numa eterna amizade interiorana da mente, e incomodou por vezes sem conta. O que predomina é esta sutileza nas coisas que faço, no amôr aos animais e crianças que adoro imenso, no virtuosismo de falar e na candura quase cândida pelos amigos que nem sequer desconfiam de mim. Fatos complicados, é verdade...

A quarta perda da inocência decorreu do fato de ter que ir À escola, compreender meio mundo e aceitar amiguinhos que mal conhecia ou reconhecia como tal. Foi chorado e humilhante, por ter dse sair do ambiente domiciliar e da rua ( compras, saídas com a mamãe pra ver parentes, pai ausente, etc ) e, também por sair do âmbito mimoso ou aconchegante do universo maternal. Chocava ver tanta criançada junta num ambiente militar ( pareceu sempre assim e assim é, conforme descobri nos anos escolares subsequentes ) e ter de aprender com professores ranzinzas e sensíveis, violentos em sua cátedra de ensino ou não. Um dia vivi a maior desfeita de todas: ser vítima das palmadas dos mestres e dos maus amiguinhos de sempre!
Foi um cosmos de descobertas e assimilações corriqueiras, mas havia o espectro do nacionalismo piegas imposto à infância desde o começo dos anos 70, pela ditadura que invocava a força brasileira nos meninos e nos oferecia um mundo brazyleiro (!) - assim mesmo que escrevo sobre este país, mas isso é outra história - de militares bonzinhos na TV e uma realidade bonita de consumo, propagandas e brinquedos importados, desenhos na TV; um "Boom" de alegrias que nos favorecia ainda crianças. Contido isso tudo é história por ora, e mais adiante direi mais. Ainda tenho saudades dessa época: dos desenhos animados, brinquedos e doces memoráveis...vai por aí.
A inocência diante da escola soçobrou quase violentamente diante de mim, com a mochilinha e meus cadernos enfeitados e embalados em papel pardo. E no primeiro dia de efetivo escolar compreendi o que é recreio, amizades, brincar em grupo, dividir tarefas e ser quietinho na sala de aula. E comer meu lanchinho na lancheira feita com TANTO amôr da mãe ( ai, saudades... ) era o prazer-surpresa na hora certa. O mundo era a escola, a rua que passeava, a volta pra casa e os momentos memoráveis de estar em casa, estudando e lendo gibis - aquisição recente de meus apelos visuais e de querer sempre saber mais das coisas. E a TV era outra imobilidade divertida entre horas tranquilas. Meu pais pouco consta de ter participado muito de nossa rara vida pacífica, pois muitas vezes havia notícias de algo que que mal compreendia nos jornais da época ou coisas sobre tempos difíceis em meio ao fugaz "milagre econômico" que convivia entre nós. E meu pai lia jornais, via a Glôbo e seu jornal famigerado e discutia em surdina com amigos sobre coisas que eu ignorava completamente. Assim foi.

E a maior de todas perdas de inocência restante foi a redescoberta tardia, talvez doentia e psicologicamente explicável, de que eu podia chorar por coisas emocionantes,a atrevidas ou até de música triste! Até uma certa época da infância empobrecida por tantos desejos ( e vontades de ter brinquedos caros e outros quitutes a saborear ) eu sentia nada a respeito das emoções frágeis de menino ou de menina, sei lá. Nunca chorava desde quando era bebê, mas havia momentos que lacrimejava e berrava por causa de músicas que constantemente ouvia no rádio da sala - por causa de mamãe que sempre precisava preencher o silêncio de suas obrigações de dona de casa - e issio causava comoção. MUitas das músicas que ouvi eram aborrecidas, lamentáveis, tristes demais e chorava sem ninguém entender motivos, dos anos de bebezinho até os 7 anos. E após isso nunca demonstrei emoções de verdade, apesar de ser feliz, brincando inocente com priminhas e vizinhas e incapaz de ir além nos sentimentos inertes de meu ser daquela época. E isso deu motivos pra o destino me aprontar a perda de minha quarta inocência-estanque! Após os dez, onze anos, compreendia bem as coisas à volta e tinha um mundinho peculiar só meu e do meu irmão ( mas ele, meu irmão mais velho. sequer tinha nem conhecimento do que se passava comigo ); portanto, após tanto apreciar estudos e seriados de TV - além dos desenhos, claro! - percebi que faltava algo e nunca imaginei muito sobre o quê. E um dia mudei os sentidos e minhas verdades por causa de um desenho animado japonês, hoje anime para os íntimos conhecedores de cartoons estrangeiros.
O desenho era sobre um grupo de andróides revoltados, pois viraram o que são à revelia, e que lutavam contra a covardia dos tiranos, corporações, monstros e os vilões de praxe. Eram o Cyborg 009, fito por Ishinomori ( agora que conheço e que é famoso por enredos extremamente tristes e poderosos nos desenhos e "serials" na telinha ) e que mostrava-se muito pé no chão e adultio demais pra mim, mas eu não percebia nunca esses detalhes. Numa certa tarde passou na TV este desenho, e num episódio, bastante marcante até demais, comecei a ver que o personagem mais sofrido, além de perder o olho, ficar deformado e vir do futuro, este mesmo personagem demonstrava candura, perdão e sofrimento indizíveis. Chorei a cada frame do animê e isso fez explodir em mim emoções extraordinárias e muito marcantes, numa torrente de la´grimas que durou até noite adentro. Minha mãe ficou preocupada e eu acabei demonstrando atitudes bem de menininha e que me deixaram louco de sentimento vários, e tudo ao mesmo tempo num só temporal de choramingos e revoltas do corpo! Que difícil situação para um menino que recusava ter a emoção da compaixão, do terror da mutação, da guerra atômica ( mais outra história particular... ), a morte de um personagem simpático e sofrido, e teve o medo intenso da morte física incompreensível. Mas, tirando o medo infante de "morrer" sem saber o que é morrer, esse momento foi terrível pra mim e tem consequências até hoje em dia! A inocência de olhar que tudo parecia infinito e duradouro acabou num piscar de olhos lamurientos!

Quanto ao desenho em si, demonstrou-se elucidativo de alguma forma, e a inocência sem emoções ou rompantes disto, seu enredo tão triste e sádico desabou como uma rocha em mim. Nunca havia chorado daquela maneira e nem ficado tão "mocinha" assim, se debatendo na cama e tendo as lágrimas a doerem nos olhos. Mamãe quase chamou médicos, mas meu irmão e alguns parentes aquietaram as dúvidas dela.
"Coisa de menino! Isso passa..." - assim se concluiu. Ishinomori foi o primeiro desenhista com seus desenhos que me deu motivos pra crer que emocionalmente nem sempre fui humano numa certa fase da vida, e isso me arrepia até o presente momento. E descobrir que jamais teria essa chance de libertar a humanidade de minha vida foi choque maior anos após o ocorrido. E o sexo foi outra reviravolta ainda maior depois dos 13!!!
( continua ) 
Francisco Carlos Amado o pai de Avatares
Enviado por Jurubiara Zeloso Amado em 26/07/2015
Reeditado em 26/07/2015
Código do texto: T5324478
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