Tema Livre

Milhares de linhas, nos mais diversos estilos, com as mais variadas palavras tentaram expressar o terror que assedia os espíritos despreocupados quando o tema proposto para escrita é o "tema livre".

Tema livre? Como assim? - perguntariam alguns escritores que sentem-se, subitamente libertos de todas as amarras. Nenhuma frase ou citação? Porque esse abando iminente?

A página em branco , espaço de liberdade, transforma-se, de repente, em uma representação do vazio que donina o coração mas principalmente a mente de quem escreve e as pautas , por sua vez, fornecem a materialização da prisão do "não escrever".

Tema livre... Tema livre! Tema livre!!! Uma angústia injustificada, visto que assuntos abundam: os romances quase dignos de epopéia, a briga na rua, a vitória do time favorito ou a noite de afeto nos braços da namorada. Bobagem, consumada bobagem! Quantos leitores já gastaram seu tempo lendo coisas assim? Quantos respeitáveis escritores já haviam proseadoe versado sobre esses temas?

Nada pior do que essa paz perversa de não saber sobre o que escrever. Folheia o caderno, acha um texto já escrito e tenta reescrevê-lo mas mesmo assim, por pouco tempo. Um anjo de vestes alvíssimas e voz melodiosa, o repreende:

- Tsc! Tsc! Que coisa feia! Existem poucos pecados maiores que a desonestidade intelecutal! O tema é livre mas o texto tem de ser original.

Fosse um "poeminha", poderia acusar-se o anjo de um farsante, o rei da rima pobre mas como além de ser prosa, é uma irrepreensível advertência, rende-se e abandona tão mal fadado projeto.

O relógio da Igreja de São Benedito bate e, confirmado pelo sino da Catedral não muito distante, marca a urgência da produção já que a reunião do grupo de literatura estava para acabar.

Olha sem disfarce para os colegas e as canetas e lápis deslizam céleres sobre os papéis. Só a sua folha não contém nada, nem um traço para disfarçar a baixa produtividade.

De repente, um lampejo percorre o seu pensar como um raio em noite escura, trazendo uma iluminação fulgaz mas ainda sim, esclarecedora.

Achara finalmente o tema! Deu um momento para o outro, declina da originalidade ou a aceita à sua maneira já que não há nada mais original (ao menos assim pensava) que sua própria percepção sobre o que estava a ocorrer.

Em menos de dez minutos, ali estava a crônica, pronta, inteira, consistindo de uma singela confissão: "milhares de linhas, nos mais diversos estilos..."

André Vieira
Enviado por André Vieira em 19/06/2007
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