Calêndulas ou Camomilas?

Na reforma de casa, alguns anos atrás, um evento aleatório que poderia ter sido encarado negativamente acabou reacendendo em mim uma paixão antiga, que estava adormecida.

Contratamos várias caçambas para recolher o entulho da obra, uma depois da outra, por semanas. Algumas pessoas aproveitaram-se desta oportunidade e resolveram também descartar seus pertences indesejados na caçamba que nós contratamos, vez ou outra eu encontrava nelas móveis que não eram nossos, deixados na calada da noite.

Nada extraordinário, tendo em vista o famoso jeitinho brasileiro. Alguns vizinhos, porém, tiveram a delicadeza de vir me pedir autorização para jogar ali meia dúzia de azulejos, o que eu autorizava sem pestanejar, com um sorriso e sinceridade.

Uma destas vizinhas apareceu numa tarde de sábado, enquanto eu trabalhava na calçada, justamente no canteiro da árvore em frente, um Ipê Roxo que cresceu rodeado de cimento e tinha acabado de ganhar um canteiro novo, bem maior que o buraco anterior.

Ela pediu para jogar um vaso quebrado e eu disse que sim, ela atravessou a rua até sua casa e trouxe o tal vaso, foi então eu lhe disse que não jogasse o vaso na caçamba. Surpresa pela minha súbita mudança, ela sorriu quando eu lhe expliquei que iria aproveitar as plantas.

O vaso era grande e de plástico, dele saíam várias babosas enroscadas umas nas outras, enormes, cujas raízes haviam se expandido tanto que acabaram por rachar o vaso.

Eu não tinha nenhuma prática naquilo, mas tendo em vista o destino daquelas plantas, resolvi desembrenhar aquelas raízes e separar as babosas uma das outras com cuidado para não quebrá-las. Cortei o que restava do vaso e fiz o serviço.

Sobraram várias delas com raízes intactas, comprei alguns sacos de terra adubada e replantei as babosas no canteiro novo, que passei a tomar conta. Elas foram crescendo vistosas, o que me deixou feliz. Além das que plantei no canteiro da calçada, sobraram outras pequenas que plantei em vasos, numa laje nova assim que ficou pronta.

Comecei a encher aquele espaço com plantas variadas, ganhei mais plantas de outros vizinhos que me viam cuidando do canteiro, comprei temperos, comecei a passar um tempo gostoso com esses novos seres vivos na minha vida, mesmo com o trabalho extra.

Anos depois, mudei-me para um apartamento que tem uma floreira grande na janela, do famoso arquiteto Franz Heep, onde plantei algumas sementes pela primeira vez, como calêndulas, camomilas, tomates e outras. Algumas germinaram, mas como eu não conhecia os brotos fiquei sem saber qual era qual.

Como qualquer pessoa com acesso à internet fui pesquisar, e a primeira imagem que apareceu no Google já resolveu o meu problema, embora fosse uma dúvida de outra internauta. Num blog sobre plantas, uma pessoa postou uma foto dizendo que tinha plantado três espécies e queria saber qual era aquela, exatamente a mesma dúvida que eu tinha.

Entre a planta que eu pesquisava e as três que ela plantara, havia apenas uma em comum. Assim, descobri que aqueles pequenos brotos eram na verdade calêndulas, que já estão quase florindo.

Na mesma história, uma vizinha me deu um presente quando me pediu um favor, e a dúvida de uma desconhecida acabou respondendo a minha.

Ricardo Selva
Enviado por Ricardo Selva em 31/07/2015
Reeditado em 31/07/2015
Código do texto: T5330684
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