A escravidão

Agora mesmo, estava acompanhando o desenvolvimento das postagens na rede social e me deparei com esta história, se é real ou fictícia não tenho certeza , mas o conteúdo da mensagem não poderia ser mais verdadeiro, e todas as pessoas minimamente informadas sabem que isto existe. Apenas no jornal de hoje há três matérias diferentes sobre escravidão e uma sobre tráfico de pessoas. A escravidão talvez tenha sido abolida perante a lei, mas na prática é bem diferente, talvez a frase que eu mais tenha ouvido na faculdade de direito.

Havia uma foto de um bilhete, um recorte de uma folha pautada de caderno, com os seguintes dizeres escritos em caneta esferográfica azul, em letra de mão: "I Slave Help me", em português, eu escravo socorra-me. Acompanhando esta imagem, um breve texto descrevia uma cena. Uma consumidora fez uma compra pela internet em um site que importa produtos de grife a preços competitivos, e recebeu junto com a sua encomenda o referido bilhete, escrito à mão por alguém que manuseou o pacote anteriormente.

Imagino esta surpresa a levando em um passeio emocionante, do alegre contentamento ao abrir o pacote, à um amargor instantâneo pelo conhecimento da mensagem. Nos tempos do mercado globalizado, em plena era da acessibilidade, pessoas ainda pedem socorro através de mensagens em garrafas, caixas. São vítimas de um crime bem conhecido, sustentado por uma parcela considerável da sociedade, amplamente aceito e incorporado ao cotidiano de todos, contanto que não seja tão explícito.

Como uma aura sinistra que envolve a encomenda, a escravidão é uma prática macabra, que torna amargo o bem marcado assim de forma tão acintosa, olhar para este objeto é ver a ferida purulenta da sociedade doente em que vivemos, como uma camada de negatividade invisível, mas que é suficiente para liberar fel num estômago vazio, e remédios só apaziguam por um tempo.

Somos consumidores ávidos, e todos os produtos disponíveis no mercado vêm deste sistema marcado pela desigualdade. Nossos meios de produção foram desenvolvidos dentro de uma lógica absolutista, entre os escravos, servos, vassalos, empregados, funcionários, enfim, são vários os termos usados para descrever os subordinados nas relações de trabalho, e do outro lado estão os senhores administradores em busca do lucro sobre o trabalho alheio.

A intensidade dos níveis de opressão e submissão separa as relações de trabalho legalizado daquelas consideradas análogas à escravidão, e estes níveis são medidos de formas diferentes por cada pessoa individualmente, conforme a sua posição específica na sociedade e sua bagagem de vida.

Ser senhor de escravos deixa homens bilionários, poderosos, mas como o ser humano é o produto que comercializam, eles acabam desenvolvendo uma frieza que lhes abate o espírito, se tornam verdadeiros vampiros vivos, seres amaldiçoados que carregam o peso de serem escravos dos seus desejos mais torpes.

Talvez seja mesmo inevitável passar uma existência inteira sem ter sido escravo de alguém, de alguma situação ou objeto de desejo, por isto cada minuto de vida em liberdade deve ser muito celebrado.

Ricardo Selva
Enviado por Ricardo Selva em 02/08/2015
Código do texto: T5331840
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