A ÚLTIMA VEZ QUE EU MORRI.

A última vez que eu morri doeu demais. Morrer dói muito, principalmente se, ao morrer, causa-se a dor de outra pessoa, de alguém que não merecia sofrer. Nesse dia, causei dor não só a uma pessoa, mas a duas, além de mim, é claro. Mas eu tinha que morrer para que elas sofressem apenas mais uma vez, e isso me proporcionou uma morte tranqüila, mesmo que muito dolorosa. Eu, finalmente, não seria mais motivo de tristeza para elas; apenas para mim mesmo, por tê-las entristecido tantas vezes.

Aliás, pode-se morrer de muitas formas e por muitos motivos. Contudo, que não se iluda quem acredita ser possível encontrar na morte a paz por que todos anseiam; consolo, talvez. Acontece que, ao morrer, muitas vezes se continua vivo. Paradoxo? Não. É assim que as coisas são. Algumas mortes até são menos sofridas que outras, mas apenas isso. O fracasso é causa de muitas mortes, e elas deixam marcas para sempre. Ao voltar à vida, já refeito do momento derradeiro, não se é mais quem se era, mas o temor de falhar novamente passa a ser um companheiro diário. Será necessário aprender a conviver com esse temor. A traição também é capaz de levar à morte. Nesse caso, ao se renascer, o fantasma da desconfiança também ganha vida.

Nenhuma forma de morte, no entanto, dói mais que a causada pelo desencontro, pela separação. Morrer assim suscita a incapacidade de achar caminhos, de encontrar palavras, de descobrir possibilidades. Ela não depende da vontade, mas do bom senso, da sabedoria para reconhecer que a melhor saída é mesmo morrer. Mas, mesmo depois do último suspiro, a admiração, a afeição, o amor podem sobreviver, intactos, inabaláveis. Não há perspectiva nem esperança quando se morre desse jeito.

A morte é uma prática cotidiana, inevitável e necessária. Mas é preciso aprender com ela, a fim de que se possa morrer menos com o passar do tempo. O segredo, talvez, seja não se carregarem tantos fantasmas, deixar os espólios de cada morte enterrados com ela e tentar renascer, de fato, um novo ser, disposto a aceitar que cada dia é uma nova vida, que cada oportunidade é uma nova chance de continuar vivo, que cada pessoa é diferente de todas que já conhecemos. Acho que não tinha consciência de tudo isso na última vez que morri.

Everton Falcão
Enviado por Everton Falcão em 03/08/2015
Código do texto: T5332855
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.