Açúcares

Em minha primeira consulta logo após a cirurgia de transplante renal, recebi algumas orientações do meu médico com relação à alimentação. Como leigo esperava que houvesse restrições quanto à carne vermelha e sal, porém as orientações foram em outro sentido: deveria evitar gorduras – para não ganhar peso, e também evitar o açúcar – por causa da medicação que aumenta as chances de eu desenvolver uma diabete.

Enfim, iniciei minha nova vida com novos hábitos alimentares. Confesso que foi e continua sendo difícil me adaptar a essa vida sem o açúcar. Contudo tenho descoberto, ou redescoberto certos sabores que há muito eu havia esquecido.

Por causa da nova dieta passei a tomar sucos sem açúcar, e qual não foi minha alegria certo dia quando tomei um suco de manga e senti o gosto da fruta de verdade. Esse sabor tão característico havia ficado num passado um pouco remoto, dos tempos de guri quando me aventurava pelos galhos da mangueira atrás daqueles tão desejados frutos que, apesar de lambuzarem o rosto, eram deliciosos.

O açúcar é gostoso. Alguns arriscam dizer que ele adoça até a vida. Porém também pode ser um inimigo poderoso. Estudos têm mostrado o grande prejuízo pra saúde que é causado pelo uso excessivo dessa especiaria.

Não quero discutir nutrição. O ponto onde quero chegar é outro. Na natureza encontramos diferentes tipos de alimentos, cada um com seu gosto próprio, com seu sabor característico; uns mais doces, outros mais azedos, alguns cítricos, apimentados, etc. Da mesma forma nossa vida nos apresenta diferentes situações a cada novo dia; situações de stress, de alegria, desconforto, atritos, obstáculos a serem vencidos. Situações que muitas vezes não são do nosso agrado e que, exatamente por isso tentamos adocicá-las.

Quantas pessoas ao nosso redor (e talvez nós mesmos) tentam fugir da realidade, das situações pouco confortáveis que a vida apresenta, se escondendo atrás das drogas, se escondendo dentro de si mesmas sem coragem de enfrentar a realidade com o peito aberto. Quantos “açúcares” nossa sociedade tem criado como válvula de escape pras “barras” do dia-a-dia. Somos craques nisso. Inventamos e nos enchemos de remédios antidepressivos, nos alegramos embalados por doses e mais doses de bebidas alcoólicas, nos escondemos atrás dos muros das drogas ilícitas, mergulhamos pra dentro das novelas que nos fazem imaginar que a vida é um conto de fadas.

Enfim queridos leitores, nos “empanturramos” de açúcares que fabricamos e acabamos por não vivenciar aquilo que nos diferencia dos outros animais: a capacidade de enfrentar situações adversas, raciocinar e encontrar soluções, aprender com as dificuldades, provar o gosto amargo de um não quando se pede um aumento de salário, como quem toma um chimarrão; ou provar o gosto azedo por ter sido repreendido pela professora na escola, como quem saboreia um bom suco de limão.

Cuidar da saúde física é importante. Não precisamos abolir o açúcar de nossas vidas, mas usá-lo de forma moderada para também podermos relembrar o sabor verdadeiro de cada alimento. Cuidar da nossa saúde mental e da nossa qualidade de vida como um todo é importantíssimo. Também não precisamos deixar de lado, jogar no lixo todas as coisas que tornam nossas vidas mais agradáveis, mais confortáveis. Porém devemos usar tais recursos com moderação e, acima de tudo, buscar forças e coragem para enfrentarmos as diferentes situações da vida, por pior que nos pareçam, com a cabeça erguida, sem medo de fracassarmos. Nunca esqueçamos que somos fortes o bastante para nos erguermos depois de uma queda, e que somos capazes de aprendermos com os tombos.

A paz de Deus torne a vida de cada um mais saborosa.

Marcio Loose