O Meu Lixo É Melhor Que o Seu.

Embora em não tenha mais idade para me surpreender com algum fato, admirar-me com nada, algumas vezes, as reações humanas me levam a reflexões inevitáveis, muitas dessas inconclusivas. Assim foi que certa vez, eu estava assentado a um banco na avenida próximo a minha rua, quando se desenrolou uma cena pra lá de inesperada.

Um dos moradores, que por coincidência é pessoa de minhas relações próximas, saindo à rua, notou que junto ao lixo da sua casa que aguardava a passagem do carro de coleta da limpeza pública, alguém havia colocado outra sacola plástica de lixo, para igualmente se recolhido. Para minha totalíssima surpresa, vi quando o homem dizendo algumas impropriedades, visivelmente transtornado, pegou a referida sacola de lixo e atirou-a no meio da via pública, que ao atritar-se com o asfalto espatifou-se completamente, deixando a rua em frente a sua casa muito suja. Em seguida retornou batendo violentamente o portão.

Nas minhas conjecturas, fiquei a imaginar a suposta gravidade dos motivos de tamanho descontrole emocional. Quais seriam os perigos sanitários que adviriam com a junção de um lixo ao outro? Como uma pessoa pode se julgar tão mais importante que o seu próximo, a ponto de seu lixo ser substancialmente mais importante, menos tóxico, que não poderia ficar ao mesmo lado que o lixo de seu vizinho? Eram perguntas para as quais eu não encontrava respostas razoáveis.

De repente um fato novo se descortinou diante dos meus olhos já perplexos. Vi quando a porta principal da casa em frente ao ocorrido abrira-se e saíra uma senhora septuagenária conduzindo o seu lixo devidamente empacotado, para colocar no local adequado a ser recolhido pelo caminhão da limpeza. Depois disso, ela parada ficou por uns trinta segundos vendo aquela sujeira no meio da rua. Entrou em casa e um minuto depois retornou conduzindo uma vassoura, um saco plástico e uma pá. Em seguida varreu toda a área da rua que estava imunda. Ajuntou os detritos, os mínimos resíduos, acondicionou-os carinhosamente no saco e o colocou junto ao seu lixo. Entrou em casa fechando a porta com delicadeza feminina.

Era exatamente a resposta que eu estava me matando para conseguir encontrar. Eu estava agora diante de dois caminhos que se afastavam em linha reta, uniformemente da origem. Como podemos ser tão exageradamente diferentes como pessoas? Como podemos ter uma visão tão deformada de um mesmo ponto no espaço, estando tecnicamente no mesmo ponto de observação? É claro que como indivíduos indivisíveis somos únicos, com formação diferenciada, compleição física distinta, mas no campo das tolerâncias muitas das vezes parecemos pertencer a galáxias diferentes, de absurdas manifestações comportamentais contrárias. Somos nababo-narcisistas nas coisas mínimas, mostramo-nos arrogantes sempre que temos uma plateia.

Nossa arrogância é de tal forma surreal (já que hoje tudo é surrealista e eu nem sei o quê diacho é isso!) que nos ofusca a visão a ponto de, não vermos que somos apenas uma unidade simples entre outras seis bilhões de unidades simples, dentro de uma galáxia que sobrevive entre um bilhão de outras galáxias, num universo em expansão.

O meu lixo não poderá ficar perto do seu porque eu sou melhor que você, os meus pecados, se é que os tenho, são mais brandos que os seus, em minha lápide final mereço um belíssimo epitáfio nos moldes antigos, escrito em latim e ponto final.

Obrigado.

Um Piauiense Armengador de Versos
Enviado por Um Piauiense Armengador de Versos em 06/08/2015
Reeditado em 29/06/2020
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