Amanhã é dia dos pais.

Pois é, tenho a 10 anos que passar o dia dos pais sem o meu.

Meu pai foi tão importante na minha vida, que nunca vou superar a morte dele, apesar de entender que somos finitos.

Quando nasci, depois de três filhos homens, foi um desejo muito grande de meu pai ter uma menina. Fui sua princesinha, meu nome estava pré-escolhido desde o primeiro filho.

Era um dengo completo, meu pai, pecuarista, acordava de madrugada para trabalhar, e no almoço – aqueles que existiam antigamente, onde toda a família se sentava à mesa, educadamente ou sendo educada pelos pais, que faziam questão de seus filhos limpos, vestidos adequadamente (sem uniforme da escola), comendo com garfo e faca e guardanapo no colo, onde o filho mais novo sempre estava ao lado de minha mãe que com toda paciência do mundo ia ensinando a se portar na mesa de refeições, enfim, coisas que não vejo mais.

Todos os dias após o almoço, meu pai tirava um cochilo de 10 minutos, e fazia questão que eu ficasse com ele. No início eu e ele, e depois que minha irmã mais nova nasceu, nós três (mas minha irmã só esperava que ele fechasse os olhos e saia correndo), eu adorava esses momentos gostosos, sentindo meu pai ressonar e cochilava com ele.

De repente cheguei à adolescência e já não queria mais ficar junto a meu pai, claro que adolesci, ou melhor, aborreci como quase todo mundo, tinha milhões de interesses, amigos, primeiras paqueras, etc.

Um dia meu pai me disse que meu namorado seria o cinto dele, fazendo alusão que me daria uma sova se eu namorasse claro que rindo, pois nunca precisou usar de violência com os filhos. Quando finalmente um garoto me pediu em namoro, pedi autorização a ele, que disse: “Melhor dizer que sim, e namorar aqui em casa”.

Bem, no outro dia à tardinha, o garoto começou a ir à minha casa, ficávamos sentados na varanda, e a rua cheia de colegas brincando de pique e rindo da gente, o namoro durou dois dias, e terminamos correndo para brincar de pique lata.

Meu pai nunca gritou comigo, apenas me olhava e eu já sabia se estava me reprovando – o que era pior do que um tapa, ou me aprovando, momentos que eu me sentia invencível.

Quase impossível me negar qualquer coisa que eu pedisse, e quando era impossível, sempre achava uma forma de levar para a brincadeira, como no caso de um carro “UNO” que eu queria, e ele brincando com os nomes disse que me daria uma “CO”R”SA”.

No fim do ano, meu aniversário, acabou por me dar o carro que eu queria.

Só teve uma coisa que meu pai nunca deixou - que eu fosse viver em outros países. Sempre que eu falava sobre isso, ele dava um jeito de desviar minha atenção com outras propostas e eu cedia. Só fui morar no exterior após sua morte. Fui sofrer longe.

Meu pai ficou doente por alguns anos, mas muito lúcido e sempre lutando, quando não conseguia dormir sem o oxigênio conseguiu uma máquina para não ser internado, minha casa tinha balões de oxigênio de todos os tamanhos. Quando não conseguiu mais dirigir, contratou um motorista colocava uma mochila com o oxigênio e lá ia ele para todo canto, quando não mais conseguiu andar, cadeira de rodas e continuou. Lutou admiravelmente não contra a doença que não tinha cura, mas contra a situação de doente.

Só chorei no dia em que ele foi impedido de embarcar em avião normal, visto que é proibido o oxigênio (risco de explosão – disseram). Ele voltou todo o caminho de 170 quilômetros mudo e triste. Aí ligou para o médico que também o proibiu de viajar de carro distâncias muito longas. Ele queria ir ao interior de São Paulo, morava no Espírito Santo, já não podia mais.

Nada o impediu de trabalhar, até o penúltimo dia de vida fiz contratos rurais para ele assinar, e quando disse: “pai deixa isso pra depois”. Ele respondeu: “não minha filha, preciso assinar hoje”.

Meu pai me ensinou tantas coisas, que um livro de 10000 páginas seria descrito como pequeno manual para descrever tudo.

Valor da família, dos amigos, do trabalho, tantas coisas.

Na noite antes de falecer, já no hospital, minha mãe me ligou e disse que ele pediu para eu voltar lá, eu, cansada não queria voltar ao hospital, mas ele insistiu. Eu fui e chegando lá perguntei o que ele queria, ele apenas me disse: “Só ficar um pouco mais com você”.

No outro dia, faleceu.

Meu pai, quem dera que eu tivesse passado muito mais tempo contigo. Falta, saudade, nada do que eu possa dizer será suficiente para descrever o vazio que me deixou.

Cinthya Fraga
Enviado por Cinthya Fraga em 08/08/2015
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