A ÁRVORE DOS MORCEGOS

PEQUENAS CRÔNICAS DO COTIDIANO

Era uma noite quente de verão.Retornávamos,Thiago meu filho,seus amigos e eu,de mais uma de nossas muitas incursões pela mata,pelos campos e rios.

Naquêle final de tarde tínhamos ido à um tanque onde pescávamos e os meninos,entretidos nas brincadeiras,começaram a nadar.Todo menino de interior tem como "marca registrada" o cheiro de lama encalacrado na pele.Nada que uma boa esfregadela de folhas de cidró cheiroso não disfarçe com aquêle seu odor alavandado.

Tive o meu tempo de "piá de banhado" e conheço bem as mutretas que se fazia para disfarçar a nhaca antes de chegar em casa.Por isso os deixei à vontade e acabei por retira-los da água quando já era noite.Apanhamos as bóias,anzois e mochilas e tomamos o caminho de volta.A distância, considerável,era rotina de nossos passeios de fins de tarde.A lua cheia já vinha alta e num certo trecho da estrada,deparamo-nos com dezenas de morcegos sobrevoando ao redor do tronco de uma árvore gigantesca.

Retomei o menino que ainda me restava de saldo e fizemos a maior festa com os vampirinhos que davam razantes sobre nossas cabeças.

Perdemos a noção de tempo e só muito tarde demos continuidade à nossa farra pela floresta enluarada em meio à cavalos,vacas e vagalumes soltos pelos gramados.

Quando chegamos em casa já se passavam das dez horas da noite,é claro,e o rôlo de macarrão quase correu solto.Devolvi,um a um,os amiguinhos de Thiago em suas casas com explicações e pedidos de desculpas pelo adiantado da hora.Talvez eu tenha agido com irresponsabilidade,me penitencio.

Dane-se! À mim o que realmente importa é a lembrança daquela noite em que interagimos,como em tantas outras ,e pude sentir no olhar daquela turminha a satisfação de poderem contar comigo.

Presumo ter sido um pai presente.Juntos,vivemos os melhores momentos de sua infância.Fomos amigos inseparáveis em sua adolescência e ,somos ainda hoje,cúmplices de nossos "dia a dia".Eu o compreendo,e êle à mim.

Do meu amigão,que se foi aos 86 anos,guardo as melhores lembranças.Pequenas coisa; corriqueiras,singelas,porém inesquecíveis.

O seu carinho e cuidado para comigo quando preparava o meu café da manhã.Na caneca,mais leite que café,bolacha Maria esmiuçada e uma colherinha para mexer aquêle angú.

Nós,ao redor do fogão à lenha...Êle saía para o seu trabalho e eu retornava pra cama quentinha.Lá fora branquejavam-se em geadas os campos de minha meninice. Eu,adormecia feliz,confiante na proteção daquêle homem em quem me espelhava.

Fui crescendo ao seu lado tentando seguir -lhe os exemplos,raptando muitos dos traços de sua personalidade forte.

O tempo nos envelheceu.Eu,homem feito,ao seu lado fui por inúmeras vezes ainda aquêle menino a comer papinhas de bolacha ao redor do fogão à lenha.Era êle o meu referencial de amor,o meu porto seguro,o abrigo a proteger-me das tempestades da vida.

Foi êle , um pai muito presente.Amigo de tôdas as horas.Aquêle à quem o meu tom de voz ou a expressão do olhar jamais conseguiram mascarar minhas ansiedades, angústias e decepções.

Sinto o mesmo com relação ao meu filho.Reconheço-lhe em cada um de seus gestos.Sei exatamente de seus momentos felizes ou tristes.Compartilhamos de gostos idênticos em determinadas situações.

"Fechamos o pau",no bom sentido,é claro, diante de coisas de gostos duvidosos e isso é recíproco.Pego pesado com êle e êle à mim quando costumo pisar na bola.

O mesmo ocorria entre meu pai e eu.Vivemos intensamente todos os nossos momentos,mas como ninguém é perfeito,meu pai era um torcedor fanático do Inter de Porto Alegre.

Nêste dia dos pais,e na condição de um dêles,quero abraçar à todos os pais ,na certeza de juntos comungarmos de um mesmo sentimento de amor e carinho,de sentirmos as mesmas inquietações quanto ao futuro e sonharmos à cada um de nossos filhos o que de melhor o mundo possa lhes oferecer.

Parabéns à todos!

E como à todo pai que se preza,resta a convicção de um par de meias ou uma cueca na manhã de domingo,torço para que as minhas possam vir nas cores preto e branco.

Feliz dia dos Pais.

Joel Gomes Teixeira