A velha senhora

A todos que perguntei, ninguém soube precisar sua idade, talvez bem de acordo com sua condição de mulher, que sobre o assunto mantém eterno segredo, não confidenciando nem para os melhores amigos, na vã esperança de se manterem eternamente jovens. Somente se sabe que chegou junto com o primeiro prefeito, Pedro Vieira, ainda no tempo em que Mimoso do Sul era João Pessoa, lá pelos idos de 1930.

Como eu, somente lembram-se que, desde nossas infâncias, ela já se encontrava ali , no mesmo lugar, quase que da mesma forma como a vemos ainda hoje, imponente em sua simplicidade, pujante em sua beleza que o tempo não alterou e que até mesmo fez questão de acentuar.

Poucas mudanças aparentes, somente seus longos braços tornaram-se mais robustos, fortaleceram-se no embalar de tantas gerações que ela acolheu, permitindo-nos brincar sob sua sombra protetora, como mãe zelosa para com seus filhos.

Algumas rugas a mais, por força do tempo inclemente, com ela bem menos do que para com cada um de nós, apesar de também algumas novas cicatrizes, vê-se que de lâminas de canivetes, umas por puro vandalismo, outras por jovens casais de namorados, querendo perpetuar em corações entrelaçados a efemeridade de suas paixões, procurando tê-la por testemunha, por confidente.

Esta velha senhora conhece os segredos de cada um de nós, não por alcoviteira, mas por testemunha atenta de tudo que fizemos a sua sombra protetora, confidente de todos os nossos sonhos, esperanças, ilusões, alegrias e tristezas.

Ela nos viu dar os primeiros passos, levados até ela no colo de nossos pais, ouviu nossos primeiros balbucios, assistiu nossas primeiras travessuras, viu-nos a jogar pião e bola de gude, brincar de bota e carniça, ocultou-nos protetoramente quando brincávamos de pique.

Ela nos viu crescer e ouviu nossas primeiras juras de amor , presenciou e até mesmo nos escondeu de olhares curiosos para as primeiras carícias, para os primeiros furtivos beijos, sentados nos bancos a seu redor. Sob sua copa, derramei as mais sentidas lágrimas de amor, ao me despedir da namorada querida que se materializou em um sonho de verão, deixando-me perdido, como que um estranho na praia. E, como amiga, ouviu-me, consolou-me, deu-me novas esperanças, até mesmo confidenciou-me que novamente nos encontraríamos, em um novo verão, quem sabe inverno.

Ali, em sua aparente indiferença, sempre se manteve atenta a nossos destinos, estendendo seus braços robustos para nos proteger, nos amparar, nos guiar, mesmo que às vezes não atentássemos para sua presença discreta.

E, como mãe zelosa, ela se entristecia quando nos via partir para terras distantes. em busca de nossos sonhos, de nossos destinos, sorrindo saudosa sem que o notássemos quando voltávamos, tempos depois, e ouvia-nos contando para os amigos as histórias de nossas realizações, de nossos sucessos.

E ela assistiu, impassível e constrita, as modificações que fizeram a seu redor, ceifando todas as outras árvores da praça e transformando-a em uma paisagem lunar, sem vida, sem cor, tão diferente da de há alguns anos, quando todos circulavam a seu redor, nas paqueras de finais de semana, após as sessões de cinema, antes da “soirée” no Clube.

Até mesmo, meio que ansiosa com seu próprio destino, ouviu alguns insensíveis e insensatos, certamente por desconhecerem toda sua vida, toda sua história, confabularem cogitando de também a exterminarem, sob o pretexto de modernização da cidade, felizmente detidos a tempo pelos que a amam e que souberam reconhecer seu valor, sua importância para todos nós, que a vemos e reconhecemos como um ícone de nossa cidade.

Emociono-me a cada vez que retorno a Mimoso e constato que, dos que me são tão caros, ela ali ainda permanece, linda, amiga, altiva, convidativa, com seus braços abertos, como que a me saudar, a me receber, saudosa após tanto tempo ausente.

E é com venerando respeito que sempre, mesmo que por alguns poucos momentos, principalmente à noite, quando somente perambulam pelas ruas e junto dela reúnem-se os fantasmas dos infantes que, como eu, se tornaram adultos e partiram, sento-me a seus pés e abraço esta velha amiga que respeitosamente chamo de “a velha senhora” – a figueira que cobre toda a praça...
LHMignone
Enviado por LHMignone em 24/09/2005
Reeditado em 26/09/2013
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