O Santo Banco
 
Eu brinco que a Vanda por dinheiro é que nem saraça por doce mas preciso de ser justa, ela tem o coração muito bom. Domina as finanças com precisão cirúrgica mas o ponto fraco dela, vou lhes contar, são os idosos. Apareça um velhinho sofrido, pedindo uma esmolinha, uma ajudinha da doutora que as botija aparece. Eu quando vejo uma cabecinha de ata mofada bem sentadinha nas cadeiras altas dos ônibus penso logo "isso tem tanto dinheiro guardado..." E dou risada sozinha.
Apois. Como já disse em outro causo a Vanda por dinheiro é um chama.
Pelos quatorze anos passou em um concurso para ser estagiária em determinado banco da Boa Viagem. Foi aí que nós conhecemos a fartura, todo começo de mês o menino do mercantil chegava com uma feira grande por demais, era carne quase todo dia, eu engordei chega fiquei alva.
Ela comprou tudo pra mãe, fogão, geladeira, gravador. E me dava as coisas também. Só não gostava nem nunca gostou era que eu mexesse nas coisas dela e, para evitar aborrecimentos, comprou um guarda-roupa e aposentou a mala.
Marrapaz, pra que, dei meu jeito de furtar a chave-reserva e todo dia eu descia no rumo da escola cheirando a perfume bom mas eu já estou fugindo do assunto: os velhos.
Aconteceu de os gerentes botarem a Vanda para estagiar mesmo no setor das aposentadorias. Doía demais no coração dela chegar todo fim de mês bem cedo ao banco e ver aquela fila enorme de idosos, a maioria vinda de longe, se calhar nem café tinha tomado. Aí a minha irmã faltava carregar a velhagem no colo, era muito boa, atenciosa, querida.
Mas vocês sabem que existe uma raça muito merecida no mundo chamada parente. E ter uma "bancária" na família era sinônimo de status. "A Vandinha, minha sobrinha? É bancára!"

Não vou contar se foi de parte de mãe ou de pai. O ocorrido foi que uma certo dia, solzão quente, uma fila monstra de idosos, uma tia acolá chegou na boca do caixa e disse "Vandinha, a minha fia podia atender premero a dona fulana que veio lá do Poço da Cobra na maior dificulidade, até operada tá, a pobrezinha?..."
A Vanda olhou praquela ruma de velhinho sofrido, doente, com fome e imaginou o caquinho de gente lá no finzinho da fila, sentindo dores, cocózinho branco, sem um dente na boca...
"Chame, tia. Pode chamar sua conhecida que eu atendo ela primeiro".

A tia partiu muito satisfeita e quando a Vanda deu fé lá se vinha aquela velhinha muito ligeira, o zói vivo que nem uma briba, dentadura nova brilhando num meio sorriso de "me dei bem".
Oh, rapaz. Pra quê. A Vanda ficou muito macha, ó! Atendeu a idosa porque já tinha dado a palavra mas fez uma jura de daquele dia em vante não deixar mais ninguém furrar fila e assim é até hoje, quando uma vez na vida outra na morte eu vou ao banco falar com ela tenho que pegar senha, sentar, aguardar ser chamada como simples cliente que sou.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 09/08/2015
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