Vale do Ipê

É um desses bairros escondidos já no oculto e quase obscuro e afastado município de Duque de Caxias. As ruas são tortuosas de construções irregulares, encontrando-se, entre um e outro poste de concreto, um ainda de madeira; árvores estéreis de copas empoeiradas, outras com galhos a tombar, acumulam-se em terrenos baldios em meio a lixo e entulhos, entre uma construção e outra. Uma e outra se sobressai com fachadas até bonitas, muradas, guarnecidas de grandes portões de alumínio, de onde sai simples automóveis, ou motocicletas, em mais diversidade as bicicletas. Muita vez as crianças entopem as ruas em grandes alaridos, algumas em rodas de bicicletas, outras correndo, pulando pelos muros, espantando os negros abutres de asas abertas que vem fuçar o entulho e o lixo no baldio arborizado.

Os ônibus, que levam ao centro do município, passa na grande estrada bem a frente, mal e mal pavimentada, poeira se levantando em dias secos, lama esguichando em dias úmidos.

Sempre se encontra sorrisos, gritos, algumas e muitas janelas se abrem a noite enquanto os postes falham na sua iluminação pobre, e delas vem o som das TVs ligadas, outras risadas, aromas cálidos de temperos misturam-se ao cheiro do brejo, com os insetos errando pela fraca lâmpada do poste que insiste acesa, enquanto mais adiante um e outro indíviduo vem errando pelos cantos, em ziguezague, ombros caídos, braços pendendo-se a quase arrastar as mãos pelo chão. Veem de longe, além do Centro desta cidade, veem do Centro do Rio, do Largo dos Passos, da Lapa, ou de Madureira e Tijuca, e não só por isso veem moídos...

Quando é meio-dia um alarido se faz na rua detrás, o mesmo que desperta as sete que não acorda antes, bem antes para trabalhar, e é o sinal da escola. As crianças trinam como um bando de pássaros, e ali e acolá surgem guizos e apitos. Ao longe, vindo de uma janela aberta como uma boca escancarada esguincha uma frigideira, um gato equilibra-se no muro, preto e de cauda arrebitada, galga para um telhado, esquivando-se do muro com espinhos de vidro.

Há anos vem sendo assim. Empoeirados, empoleirados, felizes em hiatos de breve ócio barulhento em barzinhos de chão encardidos, peixe frito, pagode e cerveja, e numa mesa um, outro, mais outro vão todos se tumultuando como se mutuamente buscando, mas se racha, estilhaços de copos, dois se estranham como bicho-pau ameaçando-se. Quem paga a conta? Sempre se deve, mas sempre se paga. Espera-se o amanhã engolindo o hoje num sorvo só, à seco.

Atravessando a passarela esteve no Centro, tendo ficado no bairro 25 de Agosto. A rodoviária era a mesma de anos antes como se um durante persistisse ali nas colunas ensebadas, pelos paralelepípedos arrancados que faziam buracos, pelos mesmo sucateados coletivos que tinha lutado, outrora, por um lugar de trabalho. Não sentira angústia, na verdade ficara sentindo saudade, doçura. As lojas no centro tumultuado, pelo calçadão eram as mesmas, e podia adivinhar assim como seu bairro mais distante há anos vinha sendo assim, com a certeza que não o tinha abandonado, mas que continuava lá, ora olhando pela janela do seu moquifo engaiolado, ora atravessando a rua de volta de um emprego qualquer. E era manhã e noite durante todo correr da semana, exceto os domingos plácidos, angustiados de uma espera que não se sabia de que.

Regressará para lá, embora se tenha a impressão de nunca ter deixado.

Rio de Janeiro, 10 de agosto de 2015