O Marinheiro
1909, Oceano Pacífico, a duas semanas de Massachussets.
Traduzindo: mei do mar, no tempo que o Cão era minino.
"Que dia maravilhoso", pensou o marinheiro, se espreguiçando e abrindo a boca em um sonoro bocejo.
"Arriégua, não tenho nenhuma ceroula limpa! Vou vestir a de ontem pelo avesso."
Tomou nem banho. Vestiu a farda que de branca só tinha a lembrança, tão encardida estava. Calçou as botas e lavou a boca.
Olhou pela escotilha, estava nublado mas não chovia. Excelente.
Lembrou-se do sonho que tivera na noite anterior, uma moça surgia nua de dentro das águas e caminhava em sua direção de braços abertos.
"Laivai", pensou, "que sonho invocado!"
Ficou a imaginar que bicho daria. Quando estivessem em terra iria direto à casa de jogo.
Passou a manhã inteira fazendo seus trabalhos mas não conseguia tirar o sonho da cabeça. Chamou um companheiro e contou-lhe do sonho.
"Que que tu acha, máh? Avestruz?"
O outro não entendia de jogo de bicho, era evangélico e a Bíblia proibia terminantemente jogos de azar.
Matutou, tirou o chapéu de brim mode coçar a cabeça, até que chegou a um pensamento decisivo.
"Ói, em vez de tu jogar e perder teu dinheirinho, irmão, por que que tu não vai atrás de saber o que quer dizer esse teu sonho? De repentemente é uma mulher que tá te esperando só pra casar."
O marujo ficou morto de satisfeito. Lembrou-se que um seu colega tinha um livro que falava de sonhos, correu em sua cabine e pediu emprestado. Voltou ao convés e, sentado em um barril, começou a ler o livrinho.
E leu, leu, leu e nada de chegar na parte de sonhar com moça. No ente ia passando um senhor muito refinado com o ego do tamanho do mundo, que ficou encantado em constatar que as pessoas comuns liam sua obra, levando-o a crer que ainda se tornaria muito famoso. Não interrompeu a leitura do rapaz, sua modéstia não permitia que ele abordasse assim a um de seus milhares de leitores. Inchou feito um cururu e acendeu um charuto, orgulhoso de si.
O referido senhor era o nosso querido Sigmund Freud. O marinheiro estava a ler A Interpretação dos Sonhos como se fosse revista do João Bidu mas para a História ele passou como um jovem, belo e culto homem do mar que foi visto pelo pai da psicanálise a ler, de cenho franzido e roupa impecavelmente branca, o Die Traumdeutung.
1909, Oceano Pacífico, a duas semanas de Massachussets.
Traduzindo: mei do mar, no tempo que o Cão era minino.
"Que dia maravilhoso", pensou o marinheiro, se espreguiçando e abrindo a boca em um sonoro bocejo.
"Arriégua, não tenho nenhuma ceroula limpa! Vou vestir a de ontem pelo avesso."
Tomou nem banho. Vestiu a farda que de branca só tinha a lembrança, tão encardida estava. Calçou as botas e lavou a boca.
Olhou pela escotilha, estava nublado mas não chovia. Excelente.
Lembrou-se do sonho que tivera na noite anterior, uma moça surgia nua de dentro das águas e caminhava em sua direção de braços abertos.
"Laivai", pensou, "que sonho invocado!"
Ficou a imaginar que bicho daria. Quando estivessem em terra iria direto à casa de jogo.
Passou a manhã inteira fazendo seus trabalhos mas não conseguia tirar o sonho da cabeça. Chamou um companheiro e contou-lhe do sonho.
"Que que tu acha, máh? Avestruz?"
O outro não entendia de jogo de bicho, era evangélico e a Bíblia proibia terminantemente jogos de azar.
Matutou, tirou o chapéu de brim mode coçar a cabeça, até que chegou a um pensamento decisivo.
"Ói, em vez de tu jogar e perder teu dinheirinho, irmão, por que que tu não vai atrás de saber o que quer dizer esse teu sonho? De repentemente é uma mulher que tá te esperando só pra casar."
O marujo ficou morto de satisfeito. Lembrou-se que um seu colega tinha um livro que falava de sonhos, correu em sua cabine e pediu emprestado. Voltou ao convés e, sentado em um barril, começou a ler o livrinho.
E leu, leu, leu e nada de chegar na parte de sonhar com moça. No ente ia passando um senhor muito refinado com o ego do tamanho do mundo, que ficou encantado em constatar que as pessoas comuns liam sua obra, levando-o a crer que ainda se tornaria muito famoso. Não interrompeu a leitura do rapaz, sua modéstia não permitia que ele abordasse assim a um de seus milhares de leitores. Inchou feito um cururu e acendeu um charuto, orgulhoso de si.
O referido senhor era o nosso querido Sigmund Freud. O marinheiro estava a ler A Interpretação dos Sonhos como se fosse revista do João Bidu mas para a História ele passou como um jovem, belo e culto homem do mar que foi visto pelo pai da psicanálise a ler, de cenho franzido e roupa impecavelmente branca, o Die Traumdeutung.