LINHARES NA DÉCADA DE 60

Há alguns anos fiquei imensamente feliz, quando, juntamente como minha querida amiga, Maria Conceição Said Neves, recebemos da Serlihges – Seccional Regional de Linhares do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo- os títulos de consócias. A razão era simples: é muita honra pertencer à plêiade em que se encontram pessoas dos níveis intelectuais e culturais de Dona Arlêne Campos, Therezinha Durão Costa, Zilá Sabaine, Maria Lúcia Grossi Zunti, Antônio Bezerra Neto e muitos outros.

Por falta de tempo, há anos não frequento as reuniões daquela entidade, mas guardo na lembrança as boas coisas que meus colegas fizeram/lançaram: um livro informando as histórias das pessoas que dão nomes às principais ruas de Linhares (Olhem só que ideia genial!!), outro escrito pelo saudoso Atahualpa Duarte Calmon Costa, contendo preciosas crônicas sobre nossa cidade, um vídeo em que Dona Diva Pestana Durão contava fatos acontecidos na década de 50, além dos belos selos idealizados pelo nosso brilhante escritor, Antônio Bezerra Neto.

Considero essas iniciativas fundamentais para preservação da história de Linhares, pois foi-se o tempo em que podíamos dizer que conhecíamos todos os seus moradores!! A verdade é que a cidade tem se desenvolvido muito, desde que por aqui foram descobertos petróleo e gás, e desde a inclusão do município na área da Sudene, incentivando a implantação de indústrias no município e adjacências, e originando uma imigração surpreendente.

Considerando que, certamente, restam-me, no máximo, três décadas de lucidez (Se Deus me permitir, claro!!), e que a escassez temporal continua me impedido de frequentar essa preciosa instituição; a partir de hoje, sempre que eu me recordar de fatos acontecidos em Linhares (desde 1968, quando aqui cheguei) e que eu julgar importante registrar, é isso o que farei.

A memória dos meus tempos de menina me mostra que a principal avenida de Linhares, a João Felipe Calmon, era a única que tinha pavimentação (bloquetes) por um trecho que, no sentido Sul a Norte, ia até um pouco além do antigo Banco de Crédito Rural (posteriormente Banestes, Nosso Crédito e Secretaria de Cidadania e Segurança Pública) e até um pouquinho para lá da estátua do Papa, que até hoje fica em frente à igreja matriz.

Separando as duas vias, já existiam canteiros que convergiam para a Praça Nestor Gomes, que, até hoje, mantém seu formato inalterado, embora há dezenas de anos tenha perdido a sua grande atração da época: uma torre bem alta, tendo no cume um relógio quadrado, que nem sempre funcionava, e no início de sua base algo que só os ricos tinham: uma televisão. Nas adjacências da Praça ficavam o Cartório do Sr. Armando Barbosa Quitiba e o Foto Gury. Ao seu redor, existiam a Casa Verde (hoje Red's Calçados), a venda do Sr. Danilo Dall'Orto, o Grande Hotel do Sr. João Pianna e o Hotel Linhares do Sr. Antônio Soares, esses dois últimos com as mesmas arquiteturas.

Subindo a Nestor Gomes para ir à matriz, por exemplo, do lado direito ainda não haviam construído o Cine de Lourdes (onde hoje é o Banco do Nordeste), pois ali era a primeira igreja Batista de Linhares. Da mesma forma, não existia o edifício Patrícia, já que naquele terreno ficavam os engraxates da cidade. Do lado esquerdo, na mesma direção, ficavam o Clube Juparanã, a rodoviária de Linhares, o Cine Teatro Elda (o querido “Poeirinha”) e o banco o Brasil (na esquina onde hoje é o banco Itaú). Na esquina oposta a ele, localizava-se a Padaria e Lanchonete do Wilson (depois, Lanchonete Ideal), e ao lado dela uma casinha furreca, onde funcionava a Telefônica (para se conseguir uma ligação era uma odisseia: ia-se até lá, dava-se o número desejado à telefonista, esperava-se, esperava-se, esperava-se, rezava-se para dar certo e, quando se conseguia, mal se ouvia voz do interlocutor!).

Aos sábados, as moças de Linhares usavam vestidos novos, feitos por hábeis costureiras como Dona Olga Rodrigues (da Avenida Soeiro Banhos), a saudosa Dona Izaura (esposa do Vadinho da Farmácia Klinger) ou Dona Cecília Dall'Orto para irem aos bailes no Clube Juparanã, dançar com os rapazes, sob os olhos atentos e vigilantes do saudoso Sr. Cristiano, ao som de “Os Inquietos” com a formação original: Jorge Vaccari, Joel Vaccari, José Emílio Casotti, China, Pirola, Guilherme e Edson Pereira.

O Sr. Cristiano era um adorável senhor, mas muito bravo: só entravam no Clube os rapazes que estivessem vestidos de ternos e era proibido dançar de rosto colado, ou acariciar pescoços. Beijar? Nem pensar!! O que ele fazia? Ralhava, “rachava a cara”, suspendia o sujeito!! Apesar disso, já existiam uns tarados, que de “circos armados”, queriam dançar “chapando”. O jeito era as meninas jogarem o traseiro bem para trás e o casal dançava comicamente: peitos colados e bumbuns afastados!! Rs,rs,rs...

Aos domingos, após a missa, as moças passeavam de braços dados da igreja até a Praça Nestor Gomes, onde a rodeavam centenas de vezes, sendo assistidas pelos mancebos que, dispostos nas laterais, de braços cruzados, cheirando a perfume Lancaster, com calças bocas de sino e camisas de gola roulé, flertavam-nas ou faziam fiu-fius. Quem tinha dinheiro, costumava ir assistir a algum filme de Django no Poeirinha, e antes de ir para casa comia um delicioso misto quente ou tomava a sonhada “vaca preta” (sorvete de coco ou de flocos com Coca Cola) na Lanchonete do Wilson.

Às vezes o Juparanã promovia domingueiras, mas o gostoso mesmo era frequentar os arrasta-pés na casa de alguma amiga rica como Nildinha (hoje Bortot), Lita e Rita (as filhas do juiz, hoje desembargador, Dr. Norton de Souza Pimenta). Na sala uma vitrolinha tocava os compactos ou os long plays dos Beatles ou dos astros da Jovem Guarda. Enquanto as meninas, vestindo mini tubinhos dançavam iê, iê, iê; os rapazes assistiam-nas ingerindo Cuba Libre (rum com Coca Cola) ou Hi Fi ( vodka com Mirinda).

Não se ouvia falar em assaltos e violências, mas a fofoca corria solta sobre as moças que tinham fugido com seus noivos e principalmente sobre aquelas que tinham “engravidado virgens” e por isso teriam de ser casar na “igreja verde” (Até hoje não sei por que inventaram esse termo e nem o porquê de tal cor). Aliás, guardar o hímen a 7 chaves era dever de qualquer moça, que não quisesse ficar falada na sociedade e receber a pecha de “piranha”.

Apesar de o asfalto ligando Vitória a Linhares só existir em um trechinho perto do distrito de Guaraná; no final dessa década, quando o movimento da Tropicália explodia nas rádios, a maconha chegou a Linhares e muitos jovens começaram a gostar de apertar e acender um cigarrinho do capeta: os maconheiros!! Esses eram temidos!! Nossos pais diziam que não era para aceitar nada e nem ficar perto deles, pois se fumassem nas imediações, você também ficaria maconhada e eles poderiam lhe estuprar, roubar...

Hoje, quando a população estimada de Linhares chega a 160.765 habitantes e nós só reconhecemos as fisionomias de poucas pessoas na rua; a geografia da cidade mudou, os hábitos e os ritmos musicais da população são outros, eu espero que outras pessoas estejam fotografando Linhares e que outras “ Normas Astréas” se animem a registrar os tempos atuais para legarem memórias de nossa querida cidade às novas gerações.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 20/08/2015
Reeditado em 20/05/2019
Código do texto: T5353560
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