Do Amor
 
Atravessou a avenida com seu passo calmo de quem é livre do Tempo.
"Que tarde linda!", pensou, sentindo os raios de Sol acariciarem a sua pele.
O colar de pérolas acompanhava o balanço do seu andar. A alteração do clima seria quase imperceptível, não fosse por um leve arrepiar dos pêlos do pescoço.
"Vai chover mais tarde.", pensou.
Naquele dia ela descobriu que bastava-se a si própria. O amor que tinha a Mr Dalloway deixara de ser necessidade para ser transbordamento.

Foi de tanto acreditar que Amor mostrou-se a ela. Chorou, sangrou, suicidou. Agora, diferente de Psiquê, não precisava, não duvidava. Chegara à idade do encantamento pelas coisas mais simples, a árvore seca de galhos escuros e flores róseas, o canto dos pássaros escondidos no bosque.
A angústia se fora como um longo Inverno que, sem fazer notar sua partida, tivesse dado lugar à Primavera.

Os Oxfords pretos tocavam o asfalto com a maciez de uma gata. Gostava de partilhar momentos com Mr. Dalloway, a beleza daquela tarde, por exemplo. Mas em certo trecho daquela estrada que ela seguia com seu amor no pensamento as palavras iam sussurrando cada vez mais baixo, como aves procurando os ninhos ao cair da noite. Pegava então a caneta entre os dedos e guardava Mr. Dalloway no coração.

"O primeiro homem não era perfeito", principiou a escrever.
No começo do Mundo ele contemplava a beleza do entardecer e dentro do seu coração uma voz perguntava por algo sem haver palavras para expressar. O homem baixava os olhos em alegria triste e Deus, em Sua perfeição, percebeu essa incompletude e disse ao Seu Mestre-de-Obras:
"Não é bom que o homem fique só, façamos para ele uma companheira".

E foi assim que Deus o fez completo.

Mas a Incompletude, recém-criada, pairava sobre o Mundo na ânsia de um abrigo e foi aninhar-se junto ao coração de um lindo anjo.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 25/08/2015
Reeditado em 25/08/2015
Código do texto: T5359212
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