STAND UP COMEDY DE VELÓRIO

Creio que os que tenham menos de 30 anos não saibam como se vestiam, como agiam e o que falavam os “amoladores de facas e tesouras”, “consertadores de guarda-chuvas”, “consertadores de panelas”, “descascadores de laranjas”, “vendedores de quebra-queixo”, “leiteiros”, “lanterninhas de cinemas”, “telegrafistas”, “instrutores de escolas de datilografia”, “fotógrafos lambe-lambe”, “carpideiras”... E as causas são óbvias: o tempo se encarregou de substituir seus ofícios por outros.

Por outro lado, surgiram novas profissões, desde aquelas voltadas para área de informática, como os engenheiros e cientistas da computação, bacharéis em sistemas, técnicos em informática, webdesigners, gamedesigners... e outros; como as que surgiram para atender as demandas do mundo a partir do século XXI: diaristas, cuidadores de idosos e/ou de crianças, recreadores infantis, personal stylists, personal trainers... etc.

Recentemente, ao comparecer à Capelinha do Centro para velar o corpo do irmão de uma grande amiga, descobri que há uma outra profissão surgindo: a de “Stand Up Comedy de Velório”. Antes que você descubra quais são as habilidades a serem desenvolvidas pelos interessados, é necessário descrever o clima existente nesse tipo de recinto, de madrugada.

O pesar invade o local, a dor dos parentes contamina os que chegam para prestar solidariedade, os olhos marejam ao cumprimentá-los, a voz some, o peito aperta.... a consternação é geral... até meia noite!! A partir daí, a maior parte dos “consternados” vai para casa dormir, pois “o dia seguinte é de branco e de preto, também”, ou seja, o trabalho os espera. Ficam, então, os que são muito amigos, os que não têm coragem de largar os familiares velando sozinhos o seu ente querido, embora também tenham sono.

Ocorre que, entre uma hora da madrugada e seis da manhã, o tempo fica estagnado em velórios!! Você conversa, conversa, conversa, ressuscita casos de pessoas que já partiram, voltam à memória “coisas do arco da velha”, ri-se... Em dado momento, olha-se para o relógio e, desoladamente, constata-se que não se passou nem meia hora. Enquanto isso, o frio da madrugada vai chegando, fazendo o corpo querer um cobertor, um travesseiro, um cantinho para DEITAR... Caminha-se, toma-se um café, começa-se outro papo, e o tempo continua não passando.

No último em que estive, embora a família estivesse bastante sentida, estava conformada, fazendo o clima ficar menos pesado. Além disso, por lá estava Nivalda, carinhosamente conhecida como “Dadá”, minha querida ex. aluna. Ao contar casos, hilariamente, ela muda a voz, faz gestos e sonoplastia, pertinentes. Uma artista!! É dela o relato que eu passo a fazer:

“Norma, certo dia, eu e Maricotinha tivemos de ir ao “Morro do Macaco Molhado” (local onde residem pessoas muito pobres) para levar uns materiais a uma escola de lá. Quando minha amiga estacionou o fusca, apareceram uns seis jovens com cara de “noiados” (pessoas sob efeito de crack), correndo, desesperadamente, em nossa direção, como se estivessem fugindo de alguém. De repente eu senti uma dor profunda na minha anca direita e levei a mão imediatamente ao local, tentando aliviar a dor insuportável. Comecei a gritar: Fui baleada! Socorro!! Fui baleada, Cotinha, pelo amor de Deus, chama a ambulância, chama os bombeiros! Fui baleada!! Ai, gente, não me deixe morrer, não!!”

“E ninguém te socorreu, Dadá?”, perguntei-lhe. Ela prosseguiu:

“Apareceram uns curiosos atraídos pelos meus gritos. Uma “tia velha” tinha nas mãos pó de café e queria porque queria colocá-lo em cima do ferimento, mas quem disse que eu tinha coragem de tirar a mão do machucado? Eu temia me esvair em sangue, tinha medo de minhas tripas saírem pelas ancas, rezava para que os bombeiros chegassem logo...”

Enquanto Dadá narrava isso, performaticamente, no pátio da Capelinha, eu os parentes do falecido ríamos tanto e alto, que, nos esquecemos de onde nos encontrávamos. Dadá continuou:

“Quando os bombeiros chegaram, eles examinaram o ferimento e disseram, que não tinha sangue, que parecia não haver projétil!! Fiquei indignada, e falei: É porque não são vocês que estão com um tiro na b.....! E se a bala estiver encravada no osso? E se ela tiver cauterizado as veias, hem? Enquanto eu bravejava, apareceu um moleque segurando um estilingue e um saco de bolinha de gude... O filho de uma égua olhou para mim e disse: “Foi mal, tia, foi mal!” Sarei na mesma hora, pulei em cima dele e o embolachei tanto que dei trabalho para os soldados do fogo nos separarem! ”

Gente, nunca ri tanto em minha vida!! Como não quero que ninguém fique chorando no dia em que eu partir, já contratei Dadá para fazer um stand up comedy para vocês, também.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 28/08/2015
Reeditado em 20/05/2019
Código do texto: T5362108
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.