Tinha 5 anos, quando muito. Levaram-me ao circo, e a fascinação tomou conta do meu ser. O melhor da festa era o palhaço. Ainda sinto a alegria ao ver em minhas lembranças as risadas das crianças ecoando, e os gritos. Eu fazia coro com elas. Prestava atenção nos mínimos detalhes... Não queria perder nada do que acontecia. O algodão doce era colorido, e eu ficava com aboca cor de arco-íris de tanto me lambuzar. Os animais eram magníficos, sem falar nos cachorros que dançavam, e cavalos lindos e bem treinados. Não gostei do globo da morte. Era barulhento, e eu ficava com medo, até hoje não gosto. . Aconteceram dois fatos marcantes neste dia. Um foi uma dupla de ginastas equilibristas, que o homem era mais velho, e a moça meio gordinha, até mesmo um pouco pesada. O senhor equilibrista, ao equilibrar nas pernas a escada e ela subir por ela para suas acrobacias, me encheram de medo. Meu coração bateu forte, e a escada perigosamente oscilou em direção à platéia. Os ajudantes correram para segurar, e o medo era palpável. As pernas meio cambaleantes, e a voz sofrida do equilibrista a chamando, e ela se retira. Não sei o que aconteceu com ela, mas deve ter machucado bastante. Tive e tenho muita pena do equilibrista até hoje, deve ter sofrido muito. Mas, como disse o apresentador, o espetáculo devia continuar, e os palhaços entraram em cena, causando aos poucos a alegria com suas piadas. Esquecemos temporariamente do incidente. E, finalmente, o palhaço começou a falar com uma linda loira. Era um teatro, e eu de olhos arregalados prestando a atenção em suas palavras, veio a bomba: a moça, não sei o porquê, chama o palhaço alto e em bom som de “DESGRAÇADO!”... E o público quase morre de tanto rir. Se as pessoas riam tanto com aquela palavra, ela devia mesmo ser muito engraçada e boa de falar. Termina o espetáculo e voltamos ao lar. Meu pai trabalhava nestes dias em outra cidade, e eu queria contar a ele sobre o circo e a palavra que mais fez as pessoas rirem muito: o desgraçado! E eu fiquei a semana toda dizendo baixinho para não esquecer... Desgraçado, desgraçado, acho que dormia repetindo para não esquecer. Enfim, o final de semana chega, e meu pai volta para casa. Estávamos felizes, reunidos na sala, e eu queria deixá-lo muito feliz e fiz minha entrada triunfal. Como era pequena, me lembro das pernas dele e de todos na sala. Caminho até ele quando ele está no centro, e falo em alto e bom som com a entonação da moça do circo “Desgraçado!”. Nem a bomba atômica teve tanta repercussão. Em vez de risadas e aplausos, foi um murmúrio geral de indignação. Minha irmã mais velha fez um “rim” misturado com “nossa, credo, cruz, etc”, e o silêncio sepulcral tomou conta. Jamais esqueci. Ainda dou risadas nervosas quando lembro. Tenho pena das crianças que falam sem saber o que escutam, como eu, sem intenção de ofender. Eu queria fazer um carinho a ele. Passei muitos momentos treinando para vê-lo sorrir. Ganhei um castigo, e jamais me esqueci do circo.