O "faquir"...

Inverno. Batem á porta de casa... Não é um visitante qualquer! Não é um sujeito qualquer... Chega impregnado por uma misteriosa aura e dizem que tem poderes, poderes que só as crianças entendem. É um homem magro e de poucas palavras, pobremente vestido apesar do frio que faz na cidade do Rio Grande. Descubro que é um primo afastado e que vem á cidade exibir seus misteriosos e mágicos talentos , adquiridos sabe-se lá de onde e de que forma. Assim como veio, vai embora sem nada pedir ou aceitar. O silêncio da família é singular e pouco se comenta a respeito do estranho visitante que surgiu vindo da fria noite de inverno. O que faz e quem é este primo afastado? Nas mentes infantis surgem as interrogações á respeito do inquietante e obscuro personagem. Aos poucos, o mistério vai sendo desvendado: o primo distante é um “faquir”, embora não pareça ser indiano e nem use turbante, mas uma simples camisa de mangas curtas e calças velhas e desbotadas. Dizem que vai ficar enterrado na Praça Tamandaré por quarenta dias, cercado por cobras, aranhas e escorpiões, sem comer nada e só com a cabeça de fora! Alguns comentam que vai dormir em uma aterrorizante cama de pregos e que é imune aos venenosos companheiros de espetáculo... É claro que para nós, crianças, tal coisa é um acontecimento e tanto e torna o parente uma espécie de ser diferenciado, como se fosse um ser vindo de outro planeta... Não lembro de ter visto o estranho primo enterrado no meio da Praça. Talvez os adultos pensassem que ver o primo faquir entre cobras e aranhas não fosse muito educativo ou coisa parecida... Pode ser que crianças não tivessem permissão para ver o insólito espetáculo... Fico pensando porque o primo resolveu enveredar por caminhos tão diferentes... O que o levou a adotar tão estranha profissão? Dizem que vive daquilo que lhe é dado pelas pessoas e que não tem um lugar fixo para morar. Não sei quem são seus pais, de onde veio e para onde vai. Parece que por algum tipo de código familiar não escrito, tais assuntos não devem ser comentados, talvez por causarem constrangimento aos mais velhos pela estranha ocupação que o obscuro parente teria. Dizem que realizou outras estranhas proezas, mas não lembro... Depois que se misterioso primo se foi, nunca mais tive notícias dele... Onde andará o faquir? Passados tantos anos, o mistério que começou em uma gélida noite de inverno da minha infância, continua. É claro que hoje sei quem é o primo e de onde veio, mas a criança que teimosamente permanece escondida em mim e que volta e meia reaparece, não quer saber destas descobertas de adulto. Ainda o imagino chegando misteriosamente lá em casa, com a promessa de mágicas façanhas e com os seus poderes de faquir, transcendendo o real, povoando e enriquecendo a minha fantasia de criança. Não lembro se o parente retornou á Rio Grande, mas acho que não... Com certeza deve andar por aí, por este mundo de Deus em busca de misteriosos lugares, com seus mágicos afazeres e levando a sua arte, a arte de ser faquir, á todas as crianças. Ainda espero que apareça na minha casa um dia. Pode ser em um dia de inverno... Vai ser muito bem recebido e com todas as honras que um faquir merece. Palavra de guri.