CÊ SABE COM QUEM TÁ FALANDO?

Você sabe o que é maniqueísmo?

Consultando o oráculo do Google, encontramos a seguinte definição:

Qualquer visão do mundo que o divide em poderes opostos e incompatíveis. Por exemplo: admitir que os bons sejam sempre bons e os maus sempre maus, é uma demonstração de maniqueísmo.

Essa é uma tendência que quase todos temos. Achamos que os bons serão sempre bons e os maus, sempre maus. Quem é rico e fica pobre, logo volta a ser rico, mas quem é pobre e fica rico, não demora a empobrecer, novamente. E nessa toada, vamos definindo, bestamente, uma série de situações. Só para reavivar a memória, vamos repassar:

- na justiça do trabalho, patrão sempre está errado, enquanto o empregado, sempre certo.

- homem de terno é respeitável, mas sujeito de chinelo e bermuda não merece respeito.

- homem garanhão, pegador, é respeitado, mas mulher namoradeira não vale nada.

- O ignorante com dinheiro é doutor, enquanto o doutor, sem dinheiro, é um mané.

- Quem é bom vai para o céu, o mau para o inferno. E quanto aos mais ou menos? A maioria?

Você é bom? Sempre foi bom? Nunca fez nada errado?

É claro que fez, faz ou fará. Todos erramos, e não adianta dizer que pecados menores são perdoados, porque não existe meio pecado, assim como não existe meio buraco. Buraco é buraco, pequeno ou grande, assim como o pecado. Se você aceita a existência do pecado, é forçoso entender que, seja pequeno ou grande, ele o levará aos quintos dos infernos.

No entanto, se tentarmos ser menos quadrados, no modo de ver o mundo, se usarmos o raciocínio com um mínimo de lógica, veremos que tudo isso é uma gigantesca besteira.

Ninguém é totalmente bom, sem cometer deslizes, pequenos ou grandes, assim como o pior dos criminosos, tem, necessariamente, algo de bom no seu íntimo. Pode até ser que não dê para ver o oposto do que é visível, em nossas atitudes, mas está lá, mesmo escondidinho. Por conta disso, é bobagem pensar que existam bons e maus. Todos somos mais ou menos, ou seja, alguns são melhores outros piores, mas todos somos meia boca, e só quando toda a sociedade melhorar, o que ainda vai levar alguns milênios, é que poderemos ter a esperança de ver a humanidade, majoritariamente, formada por pessoas, efetivamente, boas.

Muitos anos atrás, assisti ao filme “Horizonte Perdido”, que mostrava como era a vida em uma cidade isolada do mundo, no Tibet, exaltando a paz, concórdia, serenidade e outras maravilhas da vida em comum ali. A certa altura do filme, o visitante pergunta ao monge, que administra o lugar, se não há desonestidade entre os habitantes, e ele responde que, se os moradores forem moderadamente honestos, a autoridade local será moderadamente rígida para com eles, e tudo estará bem. Achei fantástica a resposta, pois não se pode esperar que a população aja de modo santificado, isenta de impurezas. Somos todos impuros, menos ou mais, então se agirmos, moderadamente, bem, isso já será um lucro tremendo para o mundo.

Sempre que há um partido político no poder, automaticamente, ele se torna a imagem do mal, e mesmo muitos que votaram nos candidatos que o representam, acabam tentando buscar outro que o substitua. Nessa hora, antes ou durante as eleições, os candidatos de toda a oposição ao que lá está, prometem uma carrada de coisas boas, dizendo que vão melhorar a vida dos cidadãos assim que assumirem o poder. Isso se repete há milênios no mundo, com a única diferença que, nos últimos dois séculos, principalmente no ocidente, essa pataquada está sendo encenada com eleições, enquanto antes e em outros países ou regiões, onde ainda não há democracia, o mesmo acontece através de golpes, assassinatos, insurreições e mais uma gama enorme de alternativas, quase sempre violentas.

Não há milagres! Ninguém possui varinha de condão, para, num passe de mágica, fazer a situação passar de muito ruim a muito boa. Por esse motivo, é preciso entender que quem está no poder e não agiu corretamente, pode até mudar, mas toda mudança é demorada e não acontece totalmente, então vai tudo continuar bem parecido com o que aí está, por ainda um bom tempo. Paralelamente, qualquer outro que assuma, dificilmente vai conseguir algum êxito em pouco tempo. Por mais que acerte, vai demorar a por tudo em ordem, e, pode crer, também vai errar, e não deve errar pouco, simplesmente porque todos, absolutamente todos, buscam exaltar sua própria pessoa, seu partido, sua turma, e só em última instância a cidade, o estado ou o páis que governam.

Você acha que estou pondo a culpa só neles? Nós somos mais culpados ainda.

Quando elegemos alguém, achamos que o eleito nos deve o cargo que ocupa, e muitos de nós agem de modo vergonhoso e totalmente errado, ao procurá-lo, após a eleição, tentando conseguir emprego, apadrinhamento, recomendação e outros privilégios. Sempre estamos bem prontos a apontar o dedo para algum político e dizer que é corrupto, mas não nos achamos nem um pouco corruptos ou corruptores ao pedir favores a ele.

Desde que acabou a ditadura, neste país, ouço propagandearem a justiça social.

Sarney foi o primeiro a lançar, em oitenta e cinco, o lema: TUDO PELO SOCIAL.

É claro que basta andar um pouco por qualquer região ou ler os jornais, para entender que nunca foi feito nada muito significativo, para acabar, pra valer, com o problema da pobreza, analfabetismo, falta de assistência médica e odontológica e moradia. Isso se não abordarmos os outros tantos fatores como segurança, merenda escolar, material escolar, assistência aos estudantes e professores, incentivo ao ensino, garantias básicas de cidadania plena.

O governo atual jacta-se de ter feito o que ninguém fez antes, iniciando frases com o preâmbulo: NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS . . ., porém, a realidade fragmentada desmente qualquer propaganda, e tudo segue como antes, mesmo que tenha uma pequena iniciativa aqui, outra ali, um programazinho social aqui, outro ali. O fato é que a tão propalada justiça social só está capengando em nosso território, como também em outros tantos pelo mundo afora. Enquanto isso, uns acusam os outros, e são todos farinha do mesmo saco.

Como acreditar em justiça social, quando a maioria da população tem uma lei trabalhista e uns poucos (funcionários públicos, políticos, militares e magistrados) tem outra? Se formos analisar o que ganha a maioria e os direitos que lhes são garantidos, teremos uma migalha do que essa minoria ganha. Um sujeito deve trabalhar trinta e cinco anos, para se aposentar com um salário mínimo, enquanto alguns dessa minoria, ganham muito mais, com menos tempo e ainda têm direito a regalias, como licença prêmio, que a população nem sabe o que significa.

Por que um político ou um magistrado tem de ganhar vinte ou trinta vezes mais que um cidadão comum? Simplesmente, porque temos uma visão maniqueísta da vida, e acreditamos que eles são pessoas especiais. Curiosamente, eles também acreditam nisso.

Quantas vezes você já ouviu a frase: - CÊ SABE COM QUEM TÁ FALANDO?

Mais de uma vez, né?

O que você, talvez, nunca tenha feito, é pensar que quem usa tal expressão, jamais será boa pessoa, jamais será humilde, cordato, afável, jamais se considerará igual aos demais, mas sempre terá em mente ser superior, especial, ter autoridade, ter todos os direitos e nenhum dever, poder fazer e acontecer, sem que ninguém o aborreça. Tem de ser obedecido.

Quantas pessoas humildes ou, simplesmente, pobres, iletradas, já vi serem alçadas a cargos eletivos, ao longo das últimas décadas. Infelizmente, nenhuma delas, que eu tenha notícia, continuou pobre e humilde, embora a maioria tenha continuado iletrada, porque buscar conhecimento ninguém quer, mas riqueza, mordomia, fama, poder, isso sim. Quase todos os que se elegeram e desfrutaram do poder, se “arrumaram” e se tornaram arrogantes, passando a crer que também eram especiais, formadores de opinião, influentes.

E nós, o povo, bestamente, como o gado no pasto, somos envolvidos, sempre.

Acreditamos no que dizem na TV, nos palanques e mais onde estivermos reunidos.

Só quero deixar claro que existem, sim, pessoas especiais. São os que trabalham e suam a camisola, varrem, lavam, recolhem lixo, cavam, consertam, ensinam, ralam em muitos escritórios, construções, matas, plantações e outros tantos lugares. Esses nunca vão usar uma frase tão medonha como aquela, porque não se sentem especiais, embora sejam. Quando as pessoas, realmente, especiais, como estas, tiverem os mesmos direitos de quem acha que é especial (e não é), e puderem viver adequadamente (como nunca viveram), talvez se possa esperar que os “cabeças ruins” autoritários deixem de existir.

Num cenário melhor, ninguém precisará usar tal frase, porque todos saberão, sempre, que estarão interagindo com seu próximo, seu igual, que o respeita, da mesma forma como deve e merece ser respeitado. Não por seu cargo, por seu título, por sua riqueza, mas somente por sua dignidade e atitude correta. Quer ser respeitado? Seja um bom cidadão.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 06/09/2015
Reeditado em 07/09/2015
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