Os 16

Já se vão cinquenta e cinco anos. Cheguei à cidade recém formado, pouca experiência, entretanto no auge de meu vigor. Vindo da capital, bem como meus pares. Éramos dezesseis. Intitulávamos-nos os invencíveis. A bem da verdade, éramos invencíveis. Reuníamos-nos toda sexta-feira. Profissionais liberais, ainda seríamos a elite da cidade, ou pelo menos, nós achávamos. Eu era o caçula da turma. Fui o último a fechar a equipe. O grupo era unido e forte. Nossas rodadas só terminavam pelas quatro da manhã. Se não éramos fiéis em casa, éramos ao bar. Em todos esses anos jamais deixamos o Pinguim.

O chopp era bom e sempre gelado. O piso de ladrilho quadriculado preto e branco encontrava-se um pouco gasto com o passar dos anos, mas o espaldar das cadeiras em madeira escura, as pequenas mesas redondas com a toalha de linho virginal, nunca mudaram. O espaço amplo do salão e seu pé direito de quatro metros e meio levava nosso imaginário a um castelo medieval. Nos identificamos desde o primeiro momento com a imponência do local e o elegemos como nosso santuário. Sentávamos sempre na mesma mesa, à direita da entrada, entre duas colunas, e nunca era apenas uma mesa, precisávamos juntar três para cabermos todos. Às vinte horas, os dezessete já ocupavam seus lugares. Discutíamos de tudo, resolvíamos na mesa do bar os problemas do mundo.

Dezessete? Não éramos dezesseis?

Sempre me lembro da décima sétima personagem de nossa mesa. Poucos se lembram, embora fosse marcante. Imagine o que aconteceria se as esposas soubessem de uma dama em nossas reuniões. No início ela era acanhada, flertava timidamente com todos e a nenhum se entregava. Era feérica, parecia flutuar, às vezes sumia, esquecíamos completamente dela. Com o tempo ela foi tornando-se mais intensa, mais manifesta, ainda assim pouco notada. Ela nos conhecia melhor do que nós mesmos. Conhecia nossa força e nossas fraquezas. Cada tosse, cada dor, ela distinguia, e seu conhecimento ia aumentando. Obedecíamos ao tempo em ordem inversa. Enquanto atingíamos nossa plenitude ela manteve-se ofuscada, porém com nosso desgaste e envelhecimento, ela cresceu, pareceu adquirir alento. E foi implacável. Hoje, treze se reúnem em outras plagas.

Restamos apenas três. E continuamos nos reunindo às sextas. Na mesa evitamos olhá-la, mas sua sombra é sempre presente. Eu bebo água, outro bebe chopp e o terceiro bebe cerveja sem álcool. Antecipamos um pouco o horário, nos encontramos as sete e meia e no mais tardar as nove da noite todos já estão em suas casas. Não falamos mais de futebol, falamos de colesterol. Quando líamos jornais, antigamente vibrávamos com a aparição de alguém do grupo nos noticiários, hoje vibramos quando não aparece nenhum conhecido no obituário. E ela, sem pressa, nos aguarda.

Nilo Paraná
Enviado por Nilo Paraná em 09/09/2015
Reeditado em 18/02/2016
Código do texto: T5376470
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