O nome da Rosa

Venho olhando para a morte de fora da capsula intocável, de onde meus antigos heróis abusavam da imortalidade saltando de prédios em chamas e sendo engolidos por furacões, sobrevivendo abaixo das avalanches de toneladas de pedras. Descobri que a imortalidade é mais uma daquelas frases poéticas que declamamos ao morrer do dia. A morte é o sinal vivo de que se deve viver intensamente despoluindo a consciência do medo de deixar de existir. Mesmo sabendo que não é fácil acender um cigarro e colocar uma canção para se ouvir pela ultima vez, tampouco beijar com aperto no peito sentindo o aborto da voz asfixiando a garganta, um amplexo de osso quebrando renitia numa atroz cadeia de ecos nos meus sonhos de pavor. Olho álbuns de fotos, deslizo o dedo molhado nas folhas, sinto saudade dos rostos que se apagam na tinta do papel e na minha memória. Rosa tinha 38 anos, casada e mãe de dois filhos, um rapaz de 16 anos e uma garota de 13, se orgulhava de dizer tudo que seu coração pedia com palavras singelas de extremo amor. Por acaso eu soubera quem foi a Rosa por intermédio de uma insônia que me obrigou sapatear os dedos sobre o controle remoto e ancorar no programa do SBT (reprisado de seis meses antes) sem maiores idolatrias considero o Cabrini um profissional que passa sentimentos até naquilo que produz de mais superficial. Rosa sorria, às vezes melancólica citando a morte como se falasse de um jogo que caminhava para seu final sem placar definido, dentro dos seus olhos jazia uma expressão de dor que chegava e desaparecia, à medida que sua vontade de livrar-se das contendas não resolvidas deixava seu interior se instalando feito trovões da consciência nos ouvidos pouco sentimentais da midia. Feito um filme de suspense, os corredores frios da ala dos terminais parecia antecipar tudo aquilo que já estava editado e meticulosamente se convergia para o choro final. Rosa tinha esperanças, mas não nutria rancor, sua capacidade de entendimento e aceitação brilhava feito fogo em mato seco, as chamas da sua luz clarejavam as paredes frias emprestando o brilho as máquinas e seus ruídos funestos, Rosa acreditava que um milagre pudesse acontecer, mesmo sabendo que a metástase lhe corroia com velocidade desmedida. Dos olhos de uma medica que de ventre alto anunciava a chegada de uma vida, pingaram lágrimas cientes de que a meiga e confiante mulher, deixava ali seus últimos toques, sua fala impressa nos tubos auditivos que seriam imortalizadas. Mas tem que ser assim, vida e morte se encontram nos cantos mais extremos, nas páginas de um livro escrito por tantas mãos que não se acham mais digitais. Rosa foi a protagonista da sua história, talvez suas vontades internas fossem além das coisas que dizia, De ficar um pouco mais, acompanhar a evolução dos filhos, quem sabe até imaginava ser tudo aquilo parte monstruosa de um sonho, sonho destes que se acorda de peito acelerado, com sede de água e vontade de apertar contra o peito alguém que está ao lado.