O Barulho do Deserto.
Tudo já era! Tudo ruiu! As flores murcharam no jardim do Éden! Não, não me digam que isso passa! É desagradável quando dizem que isso passa. Muito menos me digam que é choro à toa, que nada! Beirando os quarenta, careca, pobre e vivendo numa miserável cidadela imunda de um país da América Latina, arrasto-me para não parar. Não digam igualmente que não batalhei em nem corri contra o tempo. Mentira. Ninguém lambeu meus solados ou periciou minhas retinas desgastadas e fatigadas para saber por onde andei e o que vi. Ninguém acompanhou os rios de lágrimas despejados no escuro solitário do quarto às três e meia da madrugada. Falar e aconselhar a auto-ajuda, propor um deus ou uma religião, atacar um eventual comportamento pusilânime, é apenas uma boca que fala! Não quero ser feliz como os tolos e nem comprar um pedaço de plástico e metal no shopping center. Não quero ser feliz como o cantor daquela música dançante, e que nos sábados à tarde calça sandálias de couro e arrasta a carcaça para lá e para cá, assistindo TV, comento salgadinhos, bebendo cervejas, jogando videogame, assistindo futebol ou lendo um livro de Saramago. Não! Não quero essa felicidade! Prefiro a tristeza de meu deserto ao barulho da demagogia humana!