Repensando o necessário

Repensando o necessário

Flávia Arruda

De certo, já tem um tempo, me foi ordenado certa vez, por uma autoridade, que eu só falasse quando me fosse solicitado. Meu marido vive dizendo que eu falo pelos cotovelos e não são raros os momentos em que ele me olha - com olhar torto – isso quando me empolgo nas minhas dissertações. Houve até quem ousasse me mandar calar a boca. Tudo bem, relevo. Eu reconheço que sou tagarela, e, se me derem o cabimento, eu vou longe, tomo conta do recito e ninguém mais abre a boca.

Agora, o que mais me deixou escabreada foi uma frase que li recentemente “Só fale o necessário”. Havia certa austeridade naquela escrita, vertendo-me a algumas observações. Como assim? O que demarcaria, exatamente, o que seria necessário ou desnecessário? Quais os critérios a serem seguidos? Estariam inclusos às divisões sumárias e classificatórias das necessidades primárias, secundárias e terciárias? Eu precisaria de mais subsídios para alicerçar-me sobre o que é, por outra ótica, realmente necessário. Pelo meu acanhado entendimento, necessário é algo indispensável, como: alimentar-se, ir ao banheiro, tomar água, dormir... Amar, ser feliz!

Lembro-me que, ainda na minha adolescência, quando enveredando pelas descobertas do amor, vaidosa como toda mocinha, queria um traje novo todas as vezes que fosse a uma festa dançante. Achava justo. Ora, e se eu encontrasse a minha alma gêmea num desses encontros sociais, nas festas americanas que rolavam nas garagens das casas de alguns conhecidos do bairro, com o disco de Rod Stewart tocando na vitrola, precisaria estar deslumbrante, atraente e bem vestida. Necessitaria de vestimentas que me caíssem bem, para encantar o meu pretendente.

Eu sempre fui de pedir e esperar – não suporto receber e nem fazer pressão. Acho consciência tudo! Assim, eu pedia ao meu pai uma calça jeans semi bag, o último lançamento. Esperava, esperava, cansava e esperava, até a consciência tomar “doril” e eu retomar o assunto com o meu genitor. Lógico que eu ia comendo pelas beiras, eu não era besta, ia de mansinho para botar o velho no bolso.

- Painho, e aí? Vai dar certo? Aquela calça da Zoomp (grife famosa nos anos 80, que tinha logotipo do raio amarelo, uma das marcas mais cobiçadas daquela época, símbolo das garotas descoladas) que eu lhe pedi há duas semanas?

Ele me respondeu:

- Se faz duas semanas que você pediu, e, mesmo assim, você continua viva e esbanjando saúde, isso quer dizer que essa tal calça Zoomp não é necessária. E continuou dizendo, necessário é aquilo que não se pode viver sem... Por exemplo: água. Você pode até passar um dia sem tomar água, mas, com certeza, no outro dia seu corpo começa a apresentar fragilidades, fraquezas, ressecamentos – se prolongado por muitos dias, sem ingerir água, você começa a ter vertigens e ver oásis onde não tem – são os sinais vitais em alerta, apontando para a necessidade urgente de hidratação do organismo.

É, sempre foi assim. Nunca tive argumentos suficientes para debater com o meu pai. Ele sempre alfinetou minha consciência. Era mestre em instigar minhas reflexões, produzindo aprendizados que me acompanham até hoje. Ele acabava me botando no bolso. Meu pai era um homem sábio.

Daí, eu caio, sem paraquedas, numa nuvem turbulenta de pensamentos: falar o necessário... Seria só tratar de assuntos relevantes à humanidade, como a paz mundial? Os conflitos da Síria e suas consequências? A crise econômica brasileira? Os cortes drásticos no FIES? A reforma do papa Francisco que permitirá anular casamento em 45 dias?

Seriam os demais assuntos fúteis e improdutivos? Seria desnecessário preocupar-se com o outro, saber sobre como vão os seus dias? Seria dispensável desprender-se de um minuto, desejar boa sorte e recitar uma poesia? Lembrei que não sei fazer poesia. Tudo bem. Troquemos a poesia por uma boa crônica. E, ainda assim, mesmo trocando a poesia pela crônica, seria infrutífero regar a árvore do carinho, respeito e admiração com “pequenas” frases ditas e escritas ao longo do dia? Seriam esses os motivos da intranquilidade humana?

Quem sabe, se eu aprender a fazer poesia, as coisas mudem de figura. Quem sabe, com conhecimento, o desnecessário se torne tão necessário quanto à seriedade da vida. Quem sabe, com boas pitadas do desnecessário consigamos realizar, com mais leveza, paixão e harmonia, a dureza das coisas necessárias e urgentes. Quem sabe, eu aprenda a não sobrepor as necessidades individuais às necessidades coletivas.

Quem sabe, eu aprenda a lição com o dito popular: escute mais e fale menos. Afinal, Deus deu dois ouvidos e apenas uma boca! Pensando melhor, se Deus deu cinco dedos em cada mão... Mãos à obra, vamos escrever o que não se pode falar.