Resquícios

Estive pensando sobre o que passa por nós. Sobre o que nunca voltou – mas sempre vai voltar às vezes. Mesmo que você nem perceba.

É como caminhar na lama – ou na neve, se quiser. Você já passou por tal caminho, mas lá ficam tuas pegadas, tuas marcas. Por mais que possa nevar novamente, você passou por ali, e nada poderá mudar isso.

Deixam marcas, como uma cicatriz. Deixam marcas, como o assoalho que molhou certa vez e a sombra da água que repousou lá por certas horas permanece.

Lembro-me de um texto que li alguns anos atrás, aleatoriamente. Era sobre um moço que havia passado por três namoros – e cada um deixou sua lembrancinha. Não eram cicatrizes. Eram manias que ficaram.

No primeiro namoro, infantil, ele aprendeu observando a amada nas salas de aula a fazer um certo nó quando escrevia o L.

No segundo, já adolescente, namorou uma moça que vivia no mundo dos livros e tomou o gosto de frequentar bibliotecas.

No terceiro, enroscou-se por certos meses com uma rata de academia, sujeitando-se à vida sobre as esteiras.

A namorada atual amava o seu nó no L, seu gosto literário e seu porte físico.

Sua namorada amava o resquício de outras.

Somos resquícios do que passou por nós – e nem preciso relacionar ao namoro. Sou produto do que aprendi com todos, desde as professoras do maternal aos meus amigos do colegial. Sou resultado das conversas que ouvi, das pessoas que observei e dos autores que li. Até agora.

Somos consequência dos outros. Amar alguém é amar mil pessoas numa. É amar um caminho cheio de pegadas.

Somos influências do tempo, do que assistimos, das relações que temos, das nossas crenças, das nossas músicas.

Nascemos com uma cor indefinida. Logo, as tintas dos outros se misturam com a nossa.

Viramos arco-íris.

Amanda Damasio
Enviado por Amanda Damasio em 04/10/2015
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