Vou voltar a ser criança

Vou voltar a ser criança. Custa-me acreditar que já sou velho e que estou próximo a perder a vida e tudo o que já vivi. Sinto-me um triste palhaço que desaprendeu a sorrir e que por isso perdeu parte da existência. Meu circo se desfez com todas as primaveras que tive e que não mais me cobre o corpo e até mesmo a alma. Caí no carrossel do esquecimento e apenas brigo com a natureza para me manter vivo, fisicamente. A terra chama-me baixinho para que nela me deite e sacuda a minha carne entre as cinzas das outras carnes que se foram bem antes da minha. Não temo tanto. Sorrio até, porque acredito na imortalidade de minha alma e sei que ainda viverei de outra forma, no sopro que me presenteará a eternidade. Receio pelo preço que terei de pagar para poder ser eterno. Talvez minha obra não tenha tanta liquidez. Ó doce vida que se desfez tão rapidamente e que atropela a minha vontade física, por que não me deixa eterno assim também? Quantos desejos, apesar de saciados, querem renascer, como também as inúmeras dores que sentiu o meu corpo!...

Vou voltar a ser criança, sim. Preciso alimentar o fogo de outro recomeço e brincar com a vida novamente. Quero sentir os desejos estranhos da adolescência e me esquecer de que castelos caem. Preciso ser um saltimbanco que procura e acha a esperança, e brincar com a ideia de que estou caindo dos ares, mas que tenho asas e que sei voar.

Quero me esquecer de que o corpo envelhece enquanto o tempo passa e que as sedes não se renovam embora sempre achemos a água para beber. Quero voltar a ser diferente em relação às regras e à responsabilidade de viver. Quero ler as poesias nos contos da vida, sem ter que interpretá-las, mas apenas lê-las. Deixá-las-ei em profundo sono estrelar juntas às lembranças que a morte não mata jamais e que a alma resgata com propriedade.

Vou voltar a ser criança, sim. Pensar que a vida foi reconstruída em firme rocha e que jamais ruirá. Buscar a sapiência da velhice e só aí saber que sou um bobo da vida. Ensinar o que não se precisa ensinar e que está claro no Sol e na Lua. Navegar em mares revoltos e ser meio peixe e meio homem e não entender que o nadar cansa o corpo. Mas vou precisar de colo. E se não tiver eu uma velha mãe que me aninhe? Ah..., saberei buscar o colo de outras mães que ainda tenham vida para me dar, já que a velhice faz-me criança novamente e me deixa impiedosamente órfão.

Mas lutarei por quem for criança quando eu já for velho e as admirarei também. Renovarei o brilho de minhas velhas e sedimentadas ideias na firmeza do pulo sadio que elas sempre haverão de dar. Mesmo já sem forças, estarei em suas fortes asas, ensinando-lhes a descobrirem novos horizontes que certamente já terei visitado antes.