AUTO-AJUDA NÃO EXISTE

O termo “auto”, segundo o Aurélio, tem o significado de “por si próprio”, “de si mesmo” ou algo similar, e é utilizado, com ou sem hífen, em várias palavras compostas, para indicar esse detalhe situacional ou condicional, como em:

- automóvel - que se move por conta própria

- auto-análise - análise que a pessoa faz de si mesma

- autobiografia - biografia de alguém, escrita por esse mesmo alguém

- auto-acusação - ato em que a pessoa imputa a si mesma a autoria de um crime

Daí, desse mesmo meio ou de origem semelhante, temos o termo “auto-ajuda”.

O Aurélio explica que esse termo define um método de aprimoramento pessoal, em que a pessoa pretende buscar, sem a ajuda de outrem, soluções para problemas pessoais.

Pois bem! Se a pessoa encontra o tal método, que se aplique, em princípio, no sentido de solucionar, especificamente, todos ou alguns de seus problemas, ela já contou com a ajuda desse mesmo método, que foi elaborado por “outrem”, o que descaracteriza seu procedimento como auto-ajuda. Porém, dirão os auto-ajudianos, ela tomou a iniciativa de procurar o método, aplicou-o e disciplinou-se, para alcançar o nirvana. Contudo, retrucarei eu, do alto de minha pouca estatura, o dicionário especifica que o processo deve ser efetivado sem a ajuda de outrem, e o método, o sistema, o exercício, o mantra ou seja lá mais o que for, claramente, foi desenvolvido para “ajudar” os que querem se ajudar. O máximo que se pode fazer, usando de alguma licença poética e gramatical, é considerar que isso se define como parceria, nada mais.

Resultado inquestionável: auto-ajuda, como a conhecemos, não existe.

Existem, efetivamente, casos de auto-ajuda efetiva, mas são bem diferentes.

Apareceu na TV um sujeito que, cansado de fazer dezenas de dietas, sofrer o perverso efeito sanfona (engorda-emagrece-engorda) e continuar gordo, resolveu pesquisar, montar um cardápio de reeducação alimentar e, pasmem! Emagreceu! Auto-ajudou-se, sem dúvida.

Uma adolescente deu um depoimento em rede social, dizendo ser leitora voraz, porém, pobre. Tão pobre, que comia mal e, obviamente, não tinha dinheiro para comprar livro. Morava numa das milhares de cidades deste atrasado país, em que não havia biblioteca, e só podia acessar a internet uma vez a cada duas semanas, por um prazo de meia hora. É mole?

Num rasgo de lucidez, pediu, durante alguma dessas meias horas, que lhe mandassem livros, fornecendo nome e endereço. Recebeu uma carrada de volumes, alguns novos, outros velhos, alguns didáticos, outros científicos e muitos de natureza essencialmente literária, ou seja, contendo histórias, estórias, narrativas, crônicas, comentários e otras cositas más. Era tanto livro, que ela mesma montou sua biblioteca, num barraco ao lado da casa, e ao longo de algumas semanas, começou a receber leitores interessados, tanto nos livros, quanto nos gibis, que também recebeu aos montes (e fizeram maior sucesso). Cobrava uma quantia irrisória por mês de cada um, mas isso foi o suficiente para encher o prato da família de comida boa.

Esse é um outro exemplo inconfundível de auto-ajuda (e engorda).

Quanto aos livros de auto-ajuda, é preciso reconhecer que eles, efetivamente ajudam aos seus escritores, que enriquecem à custa dos leitores, que pretendem descobrir a fórmula mágica de realização pessoal, primeiro nas páginas dessas obras, e, complementarmente, nas palestras dos autores, que se apresentam bem produzidos e alimentam o fascínio dos fãs, com palavras bem escolhidas, clichês de efeito emocional e brincadeiras bem conduzidas.

Nem mesmo os autores de livros de auto-ajuda se auto-ajudam, porque precisam dos seus leitores para ganhar dim-dim. Os dentistas também os ajudam a dar belos sorrisos.

Tentei escrever um texto de auto-ajuda, e foi um fiasco, porque se tornou um autêntico, inédito e único trabalho de auto-ajuda, que só teria serventia para ajudar a mim mesmo. Além disso, quando fui utilizá-lo, cansei de ler minha própria papagaiada, que ficava só no blá-blá-blá teórico e genérico, sem qualquer aplicação prática. Fracassei em auto-ajurdar-me!

Resolvi inaugurar novo estilo literário: a múltipla-ajuda. Inspirei-me na múltipla escolha.

A coisa funciona assim: - Eu lanço o problema numa rede social, um monte de gente dá algum palpite para solucioná-lo (palpite é o que não falta na net), junto os mais interessantes e reúno num livro, que coloco à disposição dos leitores. Daí monto um site, cobro o acesso e dou a chance de todos discutirem a palpitagem até cansar a língua ou os dedos. Quando se cansarem, desligam e vão dormir tranqüilos. Aguardem minha receita de auto-sucesso!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 19/10/2015
Código do texto: T5420469
Classificação de conteúdo: seguro