Corações no varal

Não se acostume com atitudes vazias. Não se deixe ferir por sentimentos rasos. Não se afogue em lágrimas por toques de significados momentâneos, seguidos de descartes. Não seja mercadoria de troca. Não aceite ser a segunda opção de alguém. Não seja potinho de plástico de loja de um e noventa e nove. Se valorize e aprenda a não colocar em exposição aquilo que não está a venda, em cheque aquilo que é prioridade, junto com os seus sentimentos e a sua dignidade. Pois você pode me dizer que não, mas jamais me convencerão de que é boa essa coisa de ser a caça de alguém e outrora, caçador de outrem, sair beijando desconhecidos só porque a sensação é boa... porque tá todo mundo aí, reclamando da solidão, dizendo que não tem "gente que presta" pra estar do lado. Mas você já parou pra pensar se é alguém "que presta"? Já parou pra pensar se VOCÊ cumpre os quesitos que TANTO exige que o outro cumpra e preencha?

A DURA verdade, aquela que a maioria não assume, mas não tira da cabeça, é que cara nenhum quer namorar uma moça que já transou com metade dos seus conhecidos e beijou o número de bocas que seria o equivalente à dois bairros inteiros. A SECA verdade, que, de novo, ninguém assume, mas não tira de mente, é que moça nenhuma quer namorar o cara que é conhecido como "pegador", porque ela sabe que jamais conseguirá confiar plenamente no rapaz que agora ela chama de namorado. É tão duro ler estas linhas, quanto é duro assumir que é verdade.

Muito se fala sobre os sentimentos, sobre valorizá-los... e quanto mais se fala, mais se banaliza. Qual é a lógica disso? Onde está a vantagem em acordar se sentindo vazio e/ou usado? Nunca ouvi alguém dizer "WOW, ME SINTO O MÁXIMO, FUI MUITO USADO NOITE PASSADA" ou "ELE NÃO ME MANDOU NENHUMA MENSAGEM DEPOIS QUE TRANSAMOS, QUE LEGAL!", mas recebo constantemente, mensagens inbox no Facebook, via WhatsApp e (algumas) pelo quase esquecido e-mail, de amigas, conhecidas e leitoras de meu blog, me pedindo conselhos, ajuda, ou apoio, porque não aguentam mais ser usadas e desrespeitadas pelos homens, e de amigos ou conhecidos, me dizendo o mesmo, de mulheres ou de outros homens. Vejo as pessoas "vivendo o momento" como se fossem animais no cio, em época de reprodução, olhando o outro como mero objeto que vai satisfazer o seu desejo, e a bebida, como o prêmio, e penso à que nível foi levada a diversão, a vida bem aproveitada.

Há poucos dias, fui almoçar em um restaurante com os meus pais e meu irmão,e, sem querer, ouvi a conversa da mesa de trás da nossa, que gritava frases, como se fossem vantagem. Uma moça dizia "tive que dar pra ele, só aí ele me colocou no camarote top com ele", a outra, falava pro amigo que, na festa que aconteceria naquela noite, ela ficaria com o irmão do amigo a noite toda, mas que no final, ela com certeza iria pra cama com outro. Um outro rapaz contava vantagem: "tô de carro novo, de emprego novo e morando sozinho: todo mundo me quer!", "não tenho nenhuma pra levar pro cinema e pra apresentar pra minha mãe, mas tenho sete por semana a hora que eu quiser, pra fazer o que eu mandar, sem me perguntar nada". A outra ria da própria vergonha: "casa nova onde eu já vomitei duas vezes no after, na frente de todo mundo, fala aí kkk"... "falei praquela tonta que não vai virar nada! Ali ninguém bebe, ninguém fuma, ninguém come e ninguém dá! Tudo sem graça que não sabe curtir a vida". Eu tenho amigos assim e conheço gente que faz até pior, ou, dependendo do ângulo que se olha, "melhor", mas que durante o dia, falam que está tudo bem só para disfarçar aquela expressão pesada de desespero emocional, de momento depressivo, choram sem motivo, e sentem aquele vazio que aperta o peito.

Então... está tudo bem mesmo? Está curtindo a vida ou só usando uma máscara que tomou conta de quem você é? Pelo quê, em secreto, a sua alma grita? O que te dói quando você analisa a sua vida antes de dormir? Te incomoda tanto que você parou de analisar e só fecha os olhos e tenta dormir em paz, esperando a próxima bebedeira chegar?

Um riso descontrolado agora, e uma crise de choro pra amanhã quando eu acordar de ressaca, por favor. Talvez duas doses de depressão para a semana, e eu curo isso sexta que vem. Se tudo der certo, a festa vai ser tão boa que eu não vou lembrar de nada, no Instagram vou postar foto com a hashtag #eunãofui e todo mundo vai curtir.

"TÔ DEVENDO ATÉ O ANO QUE VEM, MAS COMPREI O LOOK COMPLETO PRA SÁBADO", falou a menina que estourou o limite do cartão de crédito só pra ficar bonita... por uma noite.

"ME RESPEITE", falou o que não se dá respeito.

"ME VALORIZE", falou a que estampa na testa quanto ela cobra. E quanto ela não cobra também.

"TE AMO CARA!", mas é só agora, só enquanto tá tudo bem, enquanto tem whisky do bom no copo e a gente tá ostentando no camarote.

"TAMO JUNTO AMIGA", enquanto você não engravida, não cai em depressão, síndrome do pânico ou simplesmente precisa conversar ou decide "dar uma sossegada".

"NÃO SE ESQUEÇA DE DEUS", está escrito na legenda da foto do cara que noite passada gritou "tá no inferno abraça o capeta, *******!"

Não estou dizendo pra você ser uma santa. Não estou falando pra você virar uma árvore, imóvel e sem expressão... Estou apenas procurando qual é o real valor dessa suntuosa peça teatral, que parte de lugar nenhum e não sabe qual é o seu real destino.

Tem gente colocando o coração no varal e deixando o sol esturricar com tudo. Tem gente caindo em depressão à toa. Tem gente vivenciando a crise de identidade. Tem gente precisando de ajuda porque não aguenta mais viver sem sentido...

Mas não olha pro lado, quem tá passando, é o bonde.

Débora Cervelatti Oliveira
Enviado por Débora Cervelatti Oliveira em 20/10/2015
Reeditado em 25/10/2015
Código do texto: T5420813
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