Em outro mundo

Claudinho estava inspiradíssimo na escolinha de futebol de salão. O professor Américo – de extrema dedicação e competência – reservara a aula para a avaliação física anual, algo que demoraria meia hora. Pediu a compreensão dos garotos para a agilidade dos trabalhos e prometeu que, se todos se comportassem bem, depois fariam aquilo de que eles mais gostavam: o treino com bola, na tradicional disputa entre dois times. Mãos à obra!

Fizeram medição de altura e pesagem e foram para os testes. Primeiro, o teste individual de velocidade. Algo em torno de 50 metros, ao longo da quadra. Claudinho saiu em disparada e, certamente, superou os coleguinhas, proeza que o mestre anotou nos registros, sem exteriorizar nenhuma admiração. Afinal, não se tratava de competição, e o tio (assim ele se autointitulava) queria deixar todos à vontade, para produzirem o máximo de si. A plateia – não mais que vinte pessoas, pais e parentes dos meninos – entreolhou-se admirada. Alheio a tudo, o pai de Claudinho – para quem o filho olhou na esperança do gesto aprovador – dedilhava o celular. Astolfo estava em outro mundo...

Colchões à quadra. Era a hora dos abdominais. Mãos de um colega firmes sobre sua perna, e Claudinho faz três minutos de exercícios perfeitos e mais faria, não fosse interrompido. A pequena plateia, até um pouco enciumada, deixou escapar algumas interjeições de admiração. De novo o menino busca o olhar do pai, mas Astolfo conferia seus e-mails. Estava em outro mundo...

Outros exercícios vieram e em todos Claudinho se destacou. Olhava para o papai, que olhava para o celular, perto e longe de todos por ali.

Enfim, a esperada partida de futebol. O professor Américo distribuiu as camisas, escalou os times e apitou. Bola em jogo. Havia bons jogadores mirins e Claudinho, embora hábil, não era costumeiramente destaque. No dia que focamos, seu time perdia.

Era mesmo uma ocasião especial. Claudinho recebe a bola antes da divisória e avança em direção ao gol, driblando habilmente dois adversários e desferindo um chute certeiro no ângulo. A plateia aplaudiu e entreolhou-se com admiração. Claudinho, imitando os atletas de verdade, beija a camisa e corre em direção ao seu torcedor número 1, que se deliciava com mensagens no whatsapp, alheio, distante. Continuava em outro mundo. O menino não se conteve e, faltoso no respeito com o pai já quase cinquentenário, chegou bem perto dele e gritou alto e bom som:

- Pô... pai, olha!!!

Astolfo acorda, vê que a plateia o observa e pergunta a um espectador ao lado:

- Ele está jogando bem?

Foi quando tio Américo apitou o fim do jogo.