O Velho e a bola

O Velho e a bola

Fazia já algum tempo que o velho olhava os netos brincando com a bola, sempre fazia isso às tardes, aproveitava os netos e o sol.

As crianças corriam atrás da redondinha esbarrando-se umas as outras, ele do seu canto gritava, isto é, ele achava que era um grito __ Levanta fulano, sem chute nas canelas sicrano, assim eram todas as tardes. Logo as crianças foram chamadas para entrar, esquecendo a bola no meio do quintal, no meio do nada.

O velho levantou-se com certo esforço da cadeira, o peso dos anos lhe doíam às juntas, as costas e tudo que relacionava com seu corpo.

Chegou até a bola, e tentou pega-la, o corpo não obedecia, foi-se curvando devagar, as mãos esticadas ao extremo tocaram na danada, mas daí a pega-la era outra história, escorregadia corria pelos seus dedos sem sair do gramado, colocando sua mão em conchas conseguiu agarra-la.

Levantou o corpo com dificuldade, tudo nele reclamava, estralava e doía. Segurou a bola e rolou-a entre as mãos tremulas, dava tapas no couro a levou ate o nariz e cheirou, sentiu o cheiro de sua infância e de sua juventude já tão longe, de quando corria pelo campo driblando os amigos, que já a muito se foram. Foi rolando a bola devagar, e seu passado de futebol foi passando em sua mente com se fosse um filme. Deixou a bola cair e resolveu brincar um pouco para matar a saudades.

Tocou com o pé direito mais a bola mal saiu do lugar, ficou ali curvado desconjurando a desgraçada, mais um passo e um chute tímido a bola rolou no gramado, zombando da lentidão do velho.

Mesmo assim teimou, bufou se ajeitou e arriscou mais alguns chutes, os ossos fracos estalaram, gemeram, e tremeram com o esforço, mas o homem não se dava por vencido.

Olhou em volta desconfiado com medo que o vissem, não querendo passar vexame, deu mais uma espiada, mas o silencio estava ao seu favor.

A esposa, escondida atrás da cortina encardida, dava risadinhas, a criançada que assistia televisão, perceberam e curiosas amontoaram-se, dando cotoveladas por um espaço na janela, mas a um sinal da velha ficaram caladas também rindo.

A velha ria da paixão por aquele velho, as criança riam de deboche.

O velho continuou com passos incertos atrás da bola, seu chute não alcançava à maldita, e quando a conseguia ia longe de mais, sentia falta da bengala, seria uma perna a mais para ajudá-lo, pensou.

Ele esquecido do hoje, se via como um garoto feliz que tinha intimidade com aquela redondinha, imaginou os velhos amigos ali jogando com ele, engraçado, não sabia quando tinha deixado de jogar bola, mas a bola corria dele.

O corpo reclamou foi ficando cansado, vermelho, a respiração ofegante um chiado no peito como aqueles rádios antigos, no coração faltavam algumas batidas reclamando do esforço, o suor escorria em bicas, o passado voltava agora a todo vapor. Pena que o corpo não ajudava.

Mesmo assim decidiu, tomou coragem para um ultimo chute, e preparou deu uns passos para trás, quase caiu de costa mais se equilibrou no ultimo minuto, respirou fundo e começou as passadas para o chute máximo, a perna não obedeceu à ordem do cérebro, então o pé deslizou por cima da bola fazendo carinho, tirando-lhe o equilíbrio e o coitado se estatelou no chão.

Ficou alguns segundos parado, colocando a respiração em ordem, nada tinha quebrado, mas doía o corpo todo inclusive a alma.

Dentro da casa todos viram o tombo do velho, mesmo assim ficaram mudos, a esposa rezando para que ele conseguisse se levantar sozinho.

A carcaça inútil caída olhou o céu vermelho e cinza que ria do seu destino, sabia que de costa não levantaria nunca, se virou com movimentos devagar e dolorosos, conseguiu de cara pra terra era mais fácil pensou. A dentadura deu uma escorregada da boca tentando fugir, com um movimento de língua conseguiu segurar a bandida, as mãos como garra enfiando na grama, ficando de quatro olhou em volta procurando um ponto de apoio pra se levantar, não queria chamar a mulher, até perceber o pau do varal , mas estava tão longe que parecia a quilômetros de distancia, foi se arrastando de quatro como um cachorrinho no fim da vida.

Agarrou-se ao pau como se fosse a coisa mais importante do mundo, levantau-se devagar até conseguir ficar de pé, a tontura o fez ficar parado um bom tempo.

Olhou a sua roupa era só capim e terra, desajeitadas as mãos calejadas iam varrendo a sujeira, quando ouviu sonoras gargalhadas vindas da cozinha, as crianças explodiram junto com a esposa.

Viu-se rodeado por braçinhos macios que o levaram ate a cadeira e o sentaram.

Depois de ouvir um sermão da esposa, prometeu ficar sentado, a vergonha foi demais.

Um neto mais afoito colocou em seu colo a bola querida que tanto queria para fazer companhia.

Luzia Rastelli

Luzia Rastelli
Enviado por Luzia Rastelli em 27/06/2007
Código do texto: T543636