Uma Mordidinha na Maçã
 
Muitos homens, como as crianças, querem uma coisa,
mas não as suas consequências.
José Ortega y Gasset

Sabe o que é Rumspringa? É o período que corresponde à adolescência dos Amishs, comunidade religiosa americana. Durante esse período, o comportamento rebelde e algumas atitudes incompatíveis com os costumes rigorosos da comunidade, como a condução de automóveis, o sexo e até drogas são tolerados. Depois, o jovem deve decidir se fica ou sai, opção de apenas 20% deles.
Em nossa sociedade, um tanto permissiva e indulgente com os arroubos da juventude, não existe este costume ou algo que se equipare a ele. A adolescência é um período confuso em que o jovem tenta romper com os limites da infância, ainda relutando em submeter-se aos da idade adulta, enquanto busca as benesses da maturidade, sem querer despedir-se das vantagens pueris. Por outro lado, seus pais exigem dele exatamente o oposto, numa batalha que pode durar anos e, há muito, deixou de ser uma questão de idade. Muitos meninos e meninas assumem gravidezes extemporâneas ou rotinas escolares e profissionais que nos deixam cansados só de ouvir falar, enquanto grisalhos Peter Pans fogem desavergonhadamente das responsabilidades que a vida lhes impõe. Rê Bordosa, do Angeli, é um divertido retrato dessa geração Rumspringa de meia idade.
No fundo, todos gostaríamos de uma experiência assim. Sair por aí aproveitando o bom da vida, sem a parte chata das consequências, dar uma mordidinha na maçã sem o risco da expulsão do paraíso.
Não fosse pelo medo das consequências, todos nós faríamos ou experimentaríamos algumas pequenas ou grandes loucuras, mesmo que por alguns poucos instantes, antes de nos comprometermos com a vida, que, mesmo não sendo Amish, também consegue ser bem chata, às vezes.
A boa notícia é que somos livres para, a qualquer momento, mudar nosso destino caso ele não nos satisfaça. A má notícia é que tudo tem um preço.
Lembrei de mamãe que, ante uma decisão ruim nossa, sempre dizia: “sua cabeça é sua sentença”. Esta versão meio macabra do livre arbítrio me fez deixar cedo a inconsequente liberdade da adolescência e me faz pensar: se as mães Amish, fossem como a minha mãe, essa tal de Rumspringa ia ser bem sem gracinha!...

 
Texto publicado em minha coluna de hoje no Jornal Alô Brasília, reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 28/01/2011.