Bons Tempos.

Tenho que sair de casa, raspar a cabeça. Mas antes preciso sair da cama, escovar os dentes, encontrar meus olhos, comer alguma coisa para não desmaiar por aí, enxergar as pessoas do outro lado da calçada e acenar como se tudo estivesse bem, como se logo-logo Papai Noel fosse nos presentear com a chegada de um novo ano, onde tudo será diferente... Um novo horizonte no ar, enquanto vagamos nos equilibrando nesta esfera de terra, tentando não cair no buraco negro do ostracismo...

Lembro-me perfeitamente do último dia em que fui um cara plenamente feliz. Tinha dez anos, vestia uma camiseta do Palmeiras com o patrocínio da Agip e o Sr. Gilson ainda mantinha seu carrinho onde vendia pipocas, balas, jujus e cajamangas verdes com sal na porta do colégio Peralta Cunha. Eu tinha uma bicicleta brandani verde com duas molas gigantes debaixo do banco, que me envergonhavam... Mas era um garoto feliz. Naquele dia completaria dez anos e o céu era tão azul que parecia não ter fim... O vento sobre meu rosto denotava um tom de eternidade... À tarde talvez houvesse bolo de brigadeiro...

Algumas pessoas queridas estavam vivas, hoje não mais... Eu não ouvia músicas, não gostava, não corria atrás de garotas como se corre atrás de borboletas, não tinha jardim, não era advogado e nem sonhava ser um burocrata... Eu não queria ser nada a não ser viver aqueles minutos de liberdade conduzindo aquela bicicleta rumo ao campinho de futebol que ficava ao lado da antiga cerâmica, um campinho de terra batida e gols armados com bambus... Fazia muitos gols e sempre saía briga no final... A bola sempre desaparecia...

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 10/11/2015
Reeditado em 10/11/2015
Código do texto: T5444128
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