Morte de Mãe

Entre o meu nascer e o partir dela um universo ,uma imensidão de sentimentos,emoções.

Mais do que as palavras alcançam vai o meu pesar.

Em verdade paira a dúvida entre o destino e Deus o responsável por nossa aproximação.

Não morei em sua barriga,mas ela mora no meu coração. Pelos tortuosos caminhos do acaso antes da derradeira partida já havia perdido-a outras duas vezes.

Aos vinte e um casei e perdi minha mãe pela primeira vez. Nessa fase pouco ou quase nada pude contar com sua presença ativa,conflitos dos quais não cabem aqui,mas encharcam a alma de porquês.

A adaptação da vida pós solteira não foi fácil e sem o apoio dela foi deverasmente sofrida demais. Antes tão protegida,amada,amparada,no casamento esquecida em minha inexperiência em quase tudo. Hoje entendo que esse rompimento abrupto foi necessário para me preparar para vida,do contrário seria sempre a menina adotada que dependia da mãe para exatamente tudo.

Foi uma fase vencida com uma depressão,muitas crises de choro,inconformismo e magoa.

Mas o relevante é que o amor nunca enfraqueceu..ao contrário só se fortaleceu. Cresci ,amadureci,tornei-me com certeza alguém melhor.

E honestamente não fosse esse ensaio para a separação eterna eu não sei se teria aguentado.

Há oito anos eu a perdi pela segunda vez,dessa vez foi um baque infinitamente maior e mais doloroso,o Alzheimer consumiu de vez a ligação entre eu e ela. Embora até o fim ela tenha encontrado um jeito de me consolar e proteger,foi uma fase em que tive que aprender a amar a mesma mãe entra órbita..outra pessoa habitando o mesmo corpo sofrido de antes. Uma adorável estranha que não lembrava mais de si mesma,mas que continuo demonstrando,do seu novo jeito,todo amor de que era capaz. Me deixou uma grande herança,o salmo 23, ele pra mim foi a preparação para aceitar o fim, dessa etapa. Ele era o favorito dela e até o ultimo momento eu rezei com ela ,recitando o mesmo salmo,no inicio e por muito tempo ela rezava junto,balbuciando algumas palavras que ainda não haviam sido roubadas em meio a essa doença tão devastadora quanto cruel. Depois eu rezava sozinha e ela acompanhava segurando a minha mão e em alguns momentos apertando forte me comunicava suas emoções . No dia do velório foram tantas coincidências que envolveram justamente esse salmo que numa analogia posterior compreendi exatamente o teor de cada frase, cada letra. Mesmo doente ela se preocupou em me dar a certeza de que no fim habitaria longos dias na casa do Senhor,e que tudo que aconteceu com ela fazia parte do plano de Deus,que mesmo quando ela andou pelo vale da sombra da morte ela sentiu medo pois a confiança NELE a consolou e assim foi que por águas tranquilas,Deus preparou diante dela um banquete onde ela certamente alcançou a redenção reconhecendo seus inimigos e pelo amor e perdão tão lindamente foi recolhida para merecido descanso na verdadeira paz.

Por fim e muito mais difícil e doloroso eu a perdi para a morte em 07/12/2014, e aos 42 me vi criança desesperada e sangrando lagrimas que de tão doidas me fizeram esvaziar a alma.. Sanguei até sobrar nada de mim e no final daquele 08/12/2014 depois de deixar ela naquele lugar cheio de mortos fui pra casa e me comprometi dar a ela a alegria de me ver sendo capaz de cuidar de mim. Quando o assunto é mãe somos todos parecidos.. Não importa se temos um ou 70,perder a mãe é perder um pouco de vida,é começar do zero uma vida que não sabemos como vai ser sem a existência mais que necessária dela.

Morte de mãe é a dor que impulsiona ao crescimento em qualquer fase. E não importa também o modo como nos relacionamos com ela,no fim de tudo é o amor que prevalece e nos conecta a ela pela eternidade. Hoje é um daqueles dias de dor intensa,saudade saindo pelos olhos,mas onde ela esteja sentirá o quanto eu a amo e o quanto lhe sou grata por tudo.

#prasemprevivaemmim