SURTO DE VERBORRÉIA

Sabe identificar se um tomba é cusco ou bucica? Basta verificar a presença da pimboca. Se você teve alguma dificuldade em entender a frase acima, não estranhe, pois embora tenha sido elaborada com palavras usuais em nosso país, contém gírias de lugares diferentes.

Temos dezenas de dialetos correntes e outras centenas de variações menos comuns ou quase extintas, então não há como evitar desentendidos, na interação entre habitantes de distintas regiões nacionais, e isso se intensifica quando a conversa acontece com pessoas de comunidades pequenas, interioranas, pejadas de dizeres próprios, que podem só fazer sentido para um determinado lugar e sua gente ou ter significados diferenciados do idioma oficial.

O uso de gíria, dialeto ou expressões idiomáticas regionais, está tão “enfunhenhado” em nossa cultura, que quando vemos uma pessoa usar o português mais correto, tendemos a crer que algumas palavras são estrangeiras ou gíria de lugar distante. Assisti, certa ocasião, a uma cerimônia de colação de grau, em que os formandos em letras convidaram um célebre linguista para que, além de abrilhantar a festa com sua presença, fizesse bonito discurso.

O homem foi tão sucinto e cuidadoso no uso das palavras, que deixou a platéia pasma.

Ficaram pasmados, não por o apreciarem, mas por não entenderem bulhufas.

Assim ele se pronunciou:

- Como um rábula se torna causídico, de fato, na prospecção dos cânones legais, também vós, peremptoriamente, vos tornastes potenciais lentes do vernáculo pindorâmico, seja castiço, oficioso, léxico ou originário de neologismos vários, ao buscardes a erudição acadêmica. Galgastes escaleras, projetadas ao mais rarefeito ambiente para cultores, e lá abarcastes o cilindro contenedor da carta que os faz, formalmente, doutos, ante o vulgo e o sapiente.

O homem se calou, sentou e ninguém sequer piscou. As palmas só vieram bem depois.

Ele só quis explicar que como um prático da advocacia pesquisa a lei, também aqueles formandos se tornaram orientadores e pesquisadores da língua pátria; e que além da prática, tinham se diplomado e se tornado acadêmicos, reconhecidos entre leigos e eruditos.

Devo reconhecer que também brigo um bocado com a gramática, apesar de apreciar a literatura, mas entendi o que o sujeito disse e me diverti um bocado com a situação, tanto que alguns dias depois resolvi escrever um arremedo, um simulacro de poema, já que como poeta sou pouco menos que um desastre, usando palavras pouco comuns. Assim que o terminei, fui até uma feira literária, que acontecia no centro da cidade em que me encontrava, e pedi para recitá-lo, perante pequena platéia, formada por professores e alunos da faculdade local.

Autorização dada, aprumei-me, pigarreei um pouco e tasquei os versos na turma.

- Os corruptos, dominados pela concupiscência, versejam o amor com total displicência.

Vivem somente pela total eversão, perdidos em meio a dantesco bulcão.

O tão ingênuo piá, transformou-se num bravo nauquá; e para intentar findar tal caos,

Contemplou a ilação de implantar uma consubstanciação.

Quis inculcar a etérea luz, para em cada mente relampaguear a ideologia social da cruz.

Ao fim, o poetinha aprontador olhou para a platéia de zumbis babões, sorriu e saiu.

Nenhum aplauso, nenhum murmúrio. Acho que a idéia é ignorar o que não se entende.

Por falar em ignorância, vale mencionar um caso, ocorrido em Chuí, cidade fronteiriça, entre Brasil e Uruguai. Estava lá, aguardando para pegar o ônibus até Montevidéu, quando um grupo de rapazes me chamou a atenção. Estavam na avenida que dividia os dois países, mas do lado brasileiro, e no outro lado (uruguaio), vi dois policiais, uniformizados. Os garotos, visivelmente alcoolizados, xingavam os oficiais, que nada podiam fazer, pois vestidos como representantes da lei naquele país, estavam impedidos de pisar em solo brasileiro, ou seja, ir até os garotos, do outro lado da rua. Sabiam que estavam sendo ofendidos, mas, claramente, se podia perceber que não entendiam o que diziam os bêbados brasileiros.

Ocorre que os destrambelhados conterrâneos ignoravam o espanhol, e com a cachola cheia de birita, ensaiavam o melhor portunhol ofensivo que conseguiam, tentando agredir os policiais, chamando-os de “carrorros”, antas e macacos. Anta, em espanhol é tapir, macaco é mono e “carrorro”, ou melhor, cachorro, é perro. Os xingadores não eram nada espertos.

Aliás, se você ainda não sabe, a primeira frase deste texto diz que para verificar se um viralata é macho ou fêmea, basta ver tem pênis. Sei que é uma besteirinha, mas não intisique, por obséquio, que meus grugumelos, quando di vardi, neologizam insensatezes.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 12/11/2015
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