O DESFILE DO PASSADO

“VÁ À MERDA!!”

De repente, eu me vi novamente naquela tarde ensolarada, de 19 de julho de 1970, e a imprecação acima era um eufemismo para o que eu sentia. Meu desejo era mandar todo mundo tomar naquele lugar, fazer aviõezinhos com meus dedos médios, um sobre o outro, e apontá-los para a plateia, que se divertia com meu choro de raiva e frustração. Lágrimas copiosas desciam e se misturavam ao suor do meu rosto.

Pouco antes, no dia 21 de junho, na cidade do México, o futebol brasileiro se sagrara tri campeão do mundo, deixando eufóricos os “90 milhões em ação”. Talvez por isso, “China”, o treinador de goleiros do América, meu time de coração (e de todos os Calmons, família que sempre amei), nos convenceu a formarmos um time feminino para jogarmos contra o Industrial, o preferido pela maioria da “elite” linharense.

A nossa equipe era formada por mim, Gilza Nunes (minha saudosa prima), as irmãs Eliana e Mariana Calmon Araújo, Lucinha e Penha (irmãs de Manoel Tarzã), Anginha Paiva, Telma Pereira, e outras a quem peço perdão pela minha falha de memória. Durante muitas noites ele nos treinara na avenida Governador Lindemberg, que ainda nem sonhava em ser calçada!! Durante a seleção para escolha da titular do gol, eu enjoei de correr atrás da bola que teimava em escapulir de minhas mãos, mas como ninguém quisera a posição, a abestada aqui topou. Demente, desde aquela época!!

Chegado o grande dia, domingo, estágio Guilhermão lotado, lá estava eu, de shorts vermelho e uma camisa de mangas longas, sentindo um calor infernal. Enquanto meu time fazia uma firula, no meio das traves do gol, eu olhei para o alto e para os lados, e me perguntei o que eu estava fazendo ali.... Meu Deus, eu jamais imaginara suas reais medidas: 2,44 metros de altura e 7,32 metros de um poste ao outro!! Quem era eu ali? Uma fedelha de 15 anos, cujo corpo ainda nem sonhava em se inchar adiposamente para os lados!!

Dado o apito inicial, Lourdinha Durão, usando shorts preto e camisa alvinegra, pegou a bola, atravessou e campo todo, enquanto eu me esgoelava gritando para o meu time: “Corre, Gilza!! Breca a Lourdinha Durão!! Alguém derruba essa mulher pelo amor de Deus, gente!!” Que nada, nossa adversária era “cobra” com as bolas nos pés!! Goooool!! “Corre, Lucinha, segura a Nethe Santos!!”. Qual o quê?!! Essa tinha quase um metro e oitenta, enquanto entre nós a maiorzinha era a minha prima Gilza!! Goooooll, de novo!! Isso se repetiu QUATRO VEZES!! Quatro gansos eu engoli!! O quinto frango foi engolido pela colega que me substituiu e que as lágrimas nem me permitiram ver.

Revivi tudo isso, ao folhear o jornal O Pioneiro, edição de 26 de julho de 1970, selecionando quais capas eu fotografaria para uma exposição que será feita por ocasião da mudança de sua periodicidade, em função das novas e modernas máquinas de impressão que foram adquiridas por seu proprietário, Deni Almeida da Conceição.

Nas diversas manhãs que ali passei, escolhendo o que eu iria registrar para que Diego Pandolfi da Conceição, posteriormente, as trate e melhore utilizando o photoshop, muitas vezes eu me emocionei, com o desfile da história de Linhares, passando à minha frente. Além das pessoas queridas que brilharam e já partiram para o andar de cima, eu revi matérias como as seguintes: os alambrados que cortavam a BR 101 de fora a fora, no perímetro urbano, para tentar diminuir o número de atropelamentos e mortes; a interminável, construção da ponte do bairro Interlagos; as enchentes do nosso caudaloso Rio Doce; a construção do Hospital homônimo; a tentativa de assassinato do então prefeito, Antônio Muniz dos Reis...

Agradeci a Deus por Deni ter tido o cuidado de mandar encadernar, ano a ano, a história de Linhares ao longo desses 47 anos, e torço para que um dia todos os exemplares sejam digitalizados, evitando a inexorável ação do tempo sobre o papel jornal, o que seria imensamente lamentável.

Voltando à edição de 26 de julho de 1970, é possível saber que o estádio Guilherme Augusto Carvalho estava lotado, que a renda somou Cr$500,00 (quinhetos cruzeiros), que os destaques foram Lourdinha Durão e Selma(??), a primeira por ter feito quatro gols e a segunda pelas “defesas elogiosas”, além da seguinte nota: ”O time do América estava um pouco cansado, segundo declarou uma das jogadoras “perdemos para dar colher -de- chá!” KKKK.....

Embora esse tipo de fala acima seja a minha cara, acho que não fui eu quem disse essa coisa hilária que entrou para a história. De qualquer forma, adorei ter assistido ao desfile de memórias que voltaram às minhas retinas e ao meu coração.

Sendo muito honesta, embora não seja nobre, confesso que eu bem que me lembrei de que eu e o estádio do América estamos de pé, que o time do Industrial não mais existe, e que o local onde eu chorei naquela tarde, deve ser, hoje, o restaurante do Hipermercado Casagrande.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 15/11/2015
Reeditado em 07/12/2015
Código do texto: T5449298
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