O CARETA

Eu sempre fui careta, nunca usei nenhum tipo de droga e a última vez que tomei um porre foi no meu aniversário de dezoito anos.

Gosto de fumar um Marlboro de vez em quando e muitos quando a conversa é muito boa e sempre é, com jovens empreendedores que de vez em quando me visitam para buscar conselhos ou expor seus planos de negócios. E foi numa dessas conversas que, enveredando para minha caretice, um dos jovens empreendedores falou de seu hábito de relaxar fumando um cigarrinho de maconha.

Não vou aqui elencar as justificativas ou os motivos que me levaram ao entusiasmo para experimentar, nesta altura de minha vida, um, segundo eles, inofensivo “pacausinho”.

Algumas semanas depois, em outra reunião, um dos participantes, ao sair, enfiou o dedo no bolso de minha camisa e com olhar maroto falou: vá devagar, dá pra duas vezes.

Era um cigarrinho bem fininho, que mais parecia um cigarro de palha.

Pensei: Quem sabe um dia? E o guardei no bolsinho de um velho paletó e ali ficou até ontem.

Na segunda feira um velho amigo me ligou lamuriado: A crise o apanhou e não lhe dá recreio nem no sono. A conversa foi longa e só acabou quando a bateria do telefone o emudeceu.

Ontem passei o dia condoído com o desespero de meu velho amigo e, as oito da noite, num gesto altruístico busquei no velho paletó o recreio tão merecido que meu amigo, também careta, merecia.

Coloquei o cigarrinho no bolso de minha jaqueta e fui ao seu encontro.

Eu que não gosto de fumar meus Marlboros com mais de dois dias com o maço aberto e agora iria dividir com o velho amigo um cigarro que jazia solto no bolso de um velho paletó há mais de ano.

O plano não deu certo; logo que cheguei chegaram também a filha e os netos e nem tocamos nas suas tristezas. A esposa fez café, falamos do passado, fumamos alguns Marlboros e lá pelas duas da madrugada me despedi.

Na volta para casa deparo com uma blitz, aquelas que buscam motoristas embriagados.

Encostei o carro onde me indicaram, pediram meus documentos e quando puxei a carteira veio junto o dito cigarrinho e foi cair justamente aos pés do soldado.

Que azar!

O soldado, com olhar indignado, perguntou:

_O que é isto?

Não adiantava explicar; eu apenas respondi.

Ele foi até seu superior. Os dois me olharam. Cochicharam.

Olhei para o céu fingindo que não era comigo. Quando ele voltou pediu que eu assoprasse aquele aparelhinho que mede o teor alcoólico do sangue. Estava tudo bem, claro! Eu só havia tomado café!

Ele não me devolveu o cigarrinho e pediu que eu encostasse na parede junto aos reprovados no exame alcoólico.

Fiquei indignado.

A esta altura da minha vida estava eu ali de castigo como uma criança que desobedeceu ao professor.

Me entreguei ao fato de que tudo é como deve ser e passei a curtir o momento.

Representei um rebelde sem causa e até esbocei um olhar de James Dean em Juventude Transviada, mas tive um espasmo em uma ruga que tenho no canto do olho esquerdo e eu senti que estava mais para Marlon Brando em O Poderoso Chefão.

Quase tive um acesso de riso quando pensei nos meus filhos e em minha neta. Me contive; eles poderiam me enquadrar como desrespeitador de autoridade.

Ali fiquei, de castigo por quase hora. Um a um, os bêbados, tomaram seus rumos e eu, o único rebelde, já estava cansado de ficar em pé.

Quando imaginei que estavam me guardando para levar para a delegacia quando terminasse a batida, o soldado que me fiscalizou gritou para seu comandante:

_O que eu faço com o velhinho maconheiro?

Depois disso tudo, aqui estou, em casa, sem meu cigarrinho, mas com um estimulante sabor da rebeldia que só é consagrada aos jovens. Além, claro, de uma nova alcunha.

C.C.

carlos campregher