O Frevo

“Ah, o frevo!”, comentava o senhor na parada de ônibus. Bermuda, camisa de botão axadrezada e um sapato mocassim agasalhando uma meia de tecido fino, à altura da canela. “Ah, o frevo!”

Eu nem dava ouvidos. Estava atrasado, o coletivo não vinha e os ponteiros do relógio corriam soltos pelo livre caminho do tempo. “Ah, o frevo!” Certamente, o senhor tentava puxar conversa comigo, e eu fingia que não estava vendo. Olhava pros lados, franzia a testa pra sugerir que tentava enxergar algo longe, olhava o relógio, verificava algo no celular. Disfarce inútil: o senhor percebeu que não havia nada ali a me chamar a atenção, a não ser o ônibus que não vinha. Tocou nos meus ombros:

— Você se lembra daquela música do Capiba: “Ai se eu tivesse quem me fizesse carinho, não levava a vida que eu levo sozinho”?

Com um sorriso amarelo, respondi que não. Ele se calou. Baixou a cabeça, fixando os olhos na calçada. O cheiro da cachaça digerida confundia os meus sentidos. O ônibus chegou. Pedi desculpas e me enfiei dentro daquele espaço mínimo, pés e corpos ocupando todos os lugares. Ainda pude ver sua sombra sumindo no meio dos prédios.

“A vida que eu levo sozinho”... Nunca escutei essa música, não. “Ah, o frevo”, pensei enquanto ouvia o silêncio daquela coletividade momentânea.