Os eflúvios de Maria Joana

Chegava eu do trabalho, fatigado, exsudando a dignidade de um cansaço justo, na trincheira diária em que se ganha o pão. De longa data, havia notado que as áreas comuns do condomínio em que vivo andavam com odores estranhos, uma espécie de fumaça parecia ter deixado traços rastreáveis pelos mais insensíveis olfatos. Devem ser os moleques do oitavo, sempre pensava. Com certeza, estão a se divertir no subsolo com suas conversas dadaístas. Por ondem passam, fica aquele cheiro de Ciências Sociais, Comunicação ou outro qualquer pesado curso de vestibular leve. Às vezes, o cheiro estava no elevador, meio que misturado com perfume de mulher. Antes que eu tivesse ciência na nova inquilina do nono, artista de teatro, vaidosa e dada a experiências psicodélicas, imaginava uma figura que bem representasse essa pessoa que nunca encontrara, nunca tinha visto, mas que me deixava seus olores no elevador, a me sinalizar sua existência. A essa personagem, brotada das caraminholas do meu pensamento divagante, chamei Maria Joana. Um dia pensei tê-la encontrado, orgulhosamente ostentando nas próprias vestes o símbolo de suas propensões polêmicas, do hábito que uns cunhavam libertador e outros contestavam como transgressão moral, eventualmente um tipo penal. Mas aquela não era Maria Joana, logo constatei. Era só uma adolescente usando uma camiseta com a bandeira do Canadá.