O MATUTO É O MAIOR

Enfrentei algumas dificuldades na composição de uma personagem matuta, em Itabaiana, na montagem da peça “O ABC DE ZÉ DA LUZ O POETA DO POVÃO”. O diretor era Souza do INSS e repetidas vezes teimava comigo: “Estás muito pracista! Precisas pôr o olho no campo!”

Entre os fatores que me distanciaram do teatro está a insubmissão à direção e a preguiça em decorar os textos, mas nesse quesito Souza estava certo. A minha linguagem era urbana.

Itabaiana é uma cidade provinciana, mas com ares de intelectualoide. Gaba-se de ter tido as suas próprias oficinas de livros, de ter cineastas, poetas, músicos, cantores, compositores, jornalistas...

“Ah, porque Itabaiana teve jornal diário, revista, luz elétrica antes da capital, água encanada antes da capital e o “Doidinho” estudou por aqui...” “Ah, porque Itabaiana foi sede de Governo e a Batalha do Riacho das Pedras demonstrou que o seu povo pensa e age!” E aquela ladainha vai de certa forma influenciando as pessoas. Outro dia, disse-me uma pesquisadora da UFPB, “um professor que estuda os fenômenos da linguagem queria ver Zefa de Purcina!” As coisas antigas parecem contemporâneas na imaginação dos residentes e dos visitantes.

Ora, antes do sindicato rural, onde trabalhei, toda a minha referência do campo era a literatura de José Lins do Rego. Nunca havia plantado uma mandioca! E assim mesmo Zélins, como Ribeiro Couto, era aquele sujeito urbano que falava das coisas do campo. E não adianta virem me dizer que o avô dele era senhor de engenho e que Carlinhos atacava as cabritinhas.

Mas o que se fazer, se não visão das pessoas Itabaiana toma parte em tudo? 1817? Estou dentro! 1823? Estou dentro! 1930? Estou dentro! Ou melhor, o corrupto jornalista Sinvaldeão abandona a sua redação, em Itabaiana, para virar o costureiro da revolução, no olhar maroto de Japiassu. E aí, meu bem, o cabra mais besta que deu em Itabaiana foi Pingolença e ainda assim instalou o relógio da matriz.

É por isso que, dentro desse cenário, naqueles cafundós, vejo-me ainda muito jovem lendo A Divina Comédia, Tio Goriot, Os Maias, Memórias de Um Sargento de Milícias, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Memórias Póstumas de Brás Cubas... e tudo o mais que caía nas mãos. E o Souza quer uma linguagem rural. Fiz. A contragosto, mas fiz.

Essa foi a minha última montagem! Mas o interessante é que tomei gosto! Saí das cenas para as declamações. E por onde andei declamei dois grandes matutos: Zé da Luz e Severino Dias. Na verdade, dois sujeitos urbanos que falavam do campo.