Vergonha de ser honesto (*)

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir da honra, a ter vergonha de ser honesto. Temo que Rui Barbosa, ao escrever essa sentença, estivesse coberto de razão. Em seu tempo, já existiam autoridades inúteis, incapazes, corruptas e injustas, pessoas más, desonestas e sem caráter, povoando este Brasil desordeiro e impuro.

O triunfo de pessoas sem mérito, a deterioração da honra e o crescimento da injustiça facilitam a prosperidade do mal e envergonham o homem honesto, tanto no passado quanto no presente. Nos dias atuais, a pureza e a moral parecem ser bens escassos, ignorados por expressiva parcela da população. Principalmente pelos políticos.

O mau exemplo está por toda parte. No Congresso Nacional, deputados e senadores desrespeitam as regras parlamentares, infringem as leis, praticam atos de corrupção, votam matérias de interesses corporativos, negam apoio a reformas de base e a projetos de interesse social, exercem o nepotismo, faltam ao trabalho, debocham do povo, praticam atos indecorosos. Nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, os exemplos causam arrepios aos mais anarquistas dos observadores.

No executivo, nos três níveis de governo, ministros e secretários disputam o título de mau administrador. Sem penalidades a cumprir, beneficiados pela impunidade, navegam no mar de lama em que se tornou a administração pública brasileira.

O Judiciário... Ah, o Judiciário! Quem poderia julgar e aplicar penas corretivas e reparadoras, com disposição firme e constante para construção de uma sociedade mais justa e correta?

As maiores autoridades judiciais do país são nomeadas por critérios políticos, às vezes, sem a exigência do notório saber jurídico. Muitos magistrados são portadores das mais expressivas letras jurídicas. Porém, dependendo do QI, candidato menos preparado é alçado aos escalões da magistratura. Nos Tribunais de Contas, os ministros são nomeados por critérios políticos. São raras as sentenças condenatórias aplicadas ao administrador público.

Se o homem já se sentia envergonhado de ser honesto, no tempo em que o fio do bigode era honrado a qualquer custo, como se sentiria, hoje, sabendo que a bandidagem campeia e altos funcionários públicos praticam vilanias que fariam corar de vergonha a Ali Babá?

Políticos exorbitam de suas atribuições para desviar recursos, empregar parentes e apaniguados; juízes roubam, associam-se ao tráfico de drogas, vendem decisões e promovem a soltura de bandidos. É essa a triste realidade brasileira, de ontem e de hoje!

Rui, se você me ouvisse de onde está, lhe diria: conterrâneo, valoroso nordestino, cabra da peste como eu, a coisa aqui está preta. Rouba-se muito neste país. Até demais. Sequestra-se, estupra-se, espanca-se, mata-se sem piedade, sem remorso. E o pior, sem punição.

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(*) Crônica de abril de 2003, publicada em livro de minha autoria, denominado Umas e Outras. Republicada por considerá-la atual. A bandidagem continua a mesma. E em número excessivo!